Era muito bom ser criança. Mas não digo isso com o anacronismo comumente usado em frases nostálgicas como essa. Tinha a plena consciência que ser criança era muito bom quando eu era criança. Mais: lembro de me escandalizar com a possibilidade de um dia me tornar adulto e viver a vida monótona e sem diversão que os adultos a minha volta viviam. Eles tentavam me consolar dizendo que ser adulto também tinha suas vantagens, provavelmente se referindo à vida sexual, ao ato de lavar o carro e à pequena autonomia que seus horários livres e contas bancárias permitem de vez em quando. Mas meu estágio já tinha ultrapassado o limite do consolo, e a perspectiva de ter as minhas pequenas responsabilidades, como escovar os dentes, ir à escola e tomar banho todo dia, sendo ampliadas para outras áreas e sendo substituídas por outras ainda mais desgastantes era o prenúncio de uma vida infeliz.
Pensei nisso nos últimos dias, enquanto tentava resolver minhas pendências para os finais de semana. Trabalho em horário comercial como a maioria das pessoas, mas trago trabalho para casa, já que boa parte consiste em comentar produtos culturais, como filmes, discos, livros e jogos de videogame. No caso, precisava jogar umas boas horas de um jogo novo de videogame para uma resenha. Não só isso, também trabalho como cartunista, fazendo tirinhas diárias para um jornal. De modo que meu trabalho para o fim de semana era, resumidamente, jogar videogame e desenhar. Colocando dessa forma, não deixo de pensar que criei uma vida adulta para mim mesmo que em muito se assemelha com a minha infância, em uma nova versão remunerada. Transformei minha diversão infantil em atividades culturais adultas sem muita dificuldade. Minha imaginação para criar histórias com meus bonequinhos se tornaram contos, minha energia infante selvagem se tornou a catarse musical toda vez que toco com a minha banda, minhas atividades físicas agora são minhas aulas de ioga, meu momento introspectivo permite botar as leituras em dia e meu Mc Lanche Feliz adulto é, basicamente, vinho tinto.
“Transformei minha diversão infantil em atividades culturais adultas sem muita dificuldade.”
Quando finalmente cheguei à minha vida adulta, percebi que os adultos também se divertem, e o problema não era tanto a minha perspectiva do que era diversão, mas os adultos ao meu redor que deliberadamente viviam uma vida sem maiores prazeres do que um churrasco no fim de semana e a liberdade para se enfurnar na frente de uma televisão por todo o sábado. Tivesse testemunhado mais as possibilidades de prazer que a vida adulta me aguardava, talvez não tivesse me apegado a diversões tão infantis hoje, embora não ache, para todos os efeitos, que seja um adulto infantilizado. Se divertir é importante, concluí isso, mas se divertir perto de crianças pode acabar sendo uma excelente lição de vida também.