O cinema ainda guarda em si a magia do real. Robôs gigantes e cenários de CGI não conseguem suspender por completo a realidade guardada na película. É preciso avisar que nenhum animal foi ferido durante as filmagens. Aqueles cavalos que caem em filmes de cowboy, cães que levam tiros, veados que colidem contra motoristas distraídos, codornas abatidas por ricaços em suas propriedades de época. Nunca se sabe. Desde a correria diante do trem na tela dos irmãos Lumière, o pacto ficcional do cinema precisa ser reafirmado. Mais do que isso: o poder de representar a realidade precisa ser um poder responsável, ético. Daí o aviso.
É tudo fabricado, obviamente, mas vai saber. A equipe de Esqueceram de Mim havia pensado em produzir uma tarântula artificial para colocar no rosto do ator Daniel Stern, mas acharam melhor usar o bicho de verdade. Há um histórico de maus tratos anterior mesmo às cores, e o fato de John Waters ter matado uma galinha depois de usá-la em uma cena de estupro em Pink Flamingos ajudou a reacender o debate sobre a bioética na sétima arte. Também a lenda urbana de que David O. Russell haveria explodido uma vaca de verdade durante as filmagens de Três Reis. Os animais não estão com sua integridade salvaguardada em nome do cinema.
É preciso avisar que nenhum animal foi ferido durante as filmagens. Aqueles cavalos que caem em filmes de cowboy, cães que levam tiros, veados que colidem contra motoristas distraídos, codornas abatidas por ricaços em suas propriedades de época. Nunca se sabe.
Por isso, é importante dizer que nenhum animal foi ferido durante as filmagens. Um cachorro foi empurrado em uma piscina durante as filmagens de Quatro Vidas de um Cachorro, mas o vídeo que alegava tal crime psicológico foi provado ser falso. Não sei se alguém pensou em cobrar, ao final de Quatro Vidas de um Cachorro, uma mensagem do tipo “Nenhum animal foi ferido durante as filmagens, mas a gente empurrou um cachorro numa piscina meio que contra a vontade dele e ele, é claro, não gostou disso”. Ou ainda, já que a história é falsa: “Ao contrário do que andam dizendo por aí, nenhum animal foi ferido ou sacaneado durante as filmagens”.
Selo de qualidade no filme ou auditoria para averiguar as transgressões de Hollywood. Animais ainda podem ser feridos por outras razões: esporte, extração de recursos, demonstrações espanholas públicas de virilidade, possíveis avanços científicos, controle populacional, eutanásia ao natural, enfim, uma infinidade delas. Mas não em nome da arte. Quando Habacuc deixou aquele cachorro definhar e morrer em sua exposição como uma suposta homenagem a nicaraguense Natividad Canda, houve um levante dos defensores dos direitos dos animais contra as arestas da arte. Nenhuma exposição avisa se animais foram feridos durante as exposições, entretanto.
É preciso não ferir animais durante filmagens. É preciso dizer que os animais não foram feridos durante as filmagens. Se ainda fosse legítima defesa. Se ainda os animais feridos pudessem nos matar. Mas o animal ferido nunca mata a arte cinematográfica.