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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

O último dia que passei sem me preocupar com a democracia

porYuri Al'Hanati
15 de outubro de 2018
em Yuri Al'Hanati
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"O último dia que passei sem me preocupar com a democracia", crônica de Yuri Al'Hanati.

Imagem: Reprodução.

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No último dia de democracia sem preocupação, eu acordei cedo. Era o domingo de eleições, mas antes disso, era o domingo de concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná. A programação era música de balé. Umas suítes bobinhas de Respighi, orquestradas sobre peças de piano do grande Rossini, a chamada La Boutique Fantasque, e temas de Romeu e Julieta escritos por Prokofiev e Tchaikovsky – mais notadamente a dança de cavaleiros, que sempre me traz sensações de solenidade e mistério. No último dia de democracia sem preocupação, sentei na fileira G do Guaíra, ao lado dos cineastas Fernando Severo e Edgard Navarro, que estava na cidade para receber um prêmio. Comentamos sobre a força dos tímpanos e sobre os ecos de Respighi na sátira burlesca na obra de Satie. Assistimos ao final delicado e suave de Tchaikovsky com uma sombra no fundo de nossos pensamentos. Aquela última nota seria como a morte da democracia, cuja agonia antecipávamos em nossos corações. Uma última nota, suspensa no ar, seguida de um silêncio apenas um pouco mais duradouro do que o normal. As palmas para a orquestra hesitaram diante do silêncio fúnebre que ocupou o teatro.

Passei no mercado, comprei queijos para fazer bruschettas no fim da tarde. Sentia a vida correr normal, o domingo corria normal. Seria o último dia de democracia sem preocupação. As preocupações do cotidiano continuariam, mas este seria o último dia em que minha mente criativa conseguiria imaginar cenários otimistas no horizonte eleitoral. Uma terceira via criativa e vibrante, ou um súbito despertar da população, alguma coisa, como o fim aterrador de um feel-good-movie que sequestra as esperanças do espectador apenas para soltá-la com mais intensidade no último minuto, eu tinha qualquer expectativa da vida real se comportar como uma ficção não muito bem escrita. Ralei mussarela e cortei fatias de pão, a vida continuava, quem sabe até a noite pudesse ser acordado do pesadelo apático em que mergulhei desde que vi todas aquelas pessoas ricas estranhamente patrióticas em um dia de eleição, entrando em suas respectivas seções eleitorais com um orgulho jamais testemunhado por estes olhos descrentes. Cada uma delas conspirava secretamente para a implantação de um projeto de governo que exclui parte da liberdade individual da população. Que estas pessoas estejam vendo isso, mas ignorando em nome de uma priorização de outras questões me faz pensar que o humanismo talvez não seja mais tão importante assim. O que temos acima da vida humana como prioridade num projeto de governo, afinal? Pensava nessas coisas enquanto tirava bruschettas do forno. Já estava ficando preocupado.

Ralei mussarela e cortei fatias de pão, a vida continuava, quem sabe até a noite pudesse ser acordado do pesadelo apático em que mergulhei desde que vi todas aquelas pessoas ricas estranhamente patrióticas em um dia de eleição, entrando em suas respectivas seções eleitorais com um orgulho jamais testemunhado por estes olhos descrentes.

No dia seguinte, só sentia raiva e desespero. Gritei, xinguei quem precisava xingar, depois fui dominado por uma letargia assustadora. Não reagia a nenhum sorriso que ganhava cortesmente por quem quer que fosse. Resistia a olhar para o meu próximo como meu inimigo imediato, não sem certo grau de condescendência e fútil espírito de superioridade. Ainda era democracia, e pode ser que, depois que tudo isto estiver definido, ainda também será democracia. Mas não vai ser uma democracia sem preocupação pela democracia. Quando virá a pancada?

Tags: bruschettasCrônicademocraciaedgard navarroeleiçõesFernando Severohumanismoprojeto de governoprokofievrespighitchaikovsky

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