• Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
Escotilha
Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
Escotilha
Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Santos e mentirosos

porYuri Al'Hanati
2 de abril de 2018
em Yuri Al'Hanati
A A
Santos e mentirosos

Imagem: Belsy Barbara Cobiellas Crus/Reprodução.

Envie pelo WhatsAppCompartilhe no LinkedInCompartilhe no FacebookCompartilhe no Twitter

Ontem, as comemorações da Páscoa coincidiram com a celebração prática do dia da mentira. Julgo que o primeiro de abril, que tem suas origens nos ritos pagãos, seja uma data mais poderosa do que a ressurreição do nosso salvador porque guarda em si a capacidade e a liberdade de crítica que dogma nenhum jamais conhecerá — a simples coincidência de datas sugere o engrandecimento do dia pagão sobre o feriado católico, alguém perceberia. Some-se isso ao fato das duas celebrações se encontrarem em um domingo, o dia santo para a igreja e pagão para o proletário. O melhor e o pior da semana ao mesmo tempo, que se metamorfoseia em nossos sentimentalismos de trabalhador como em uma escala de cores que corre em direção a tons mais sombrios com o passar das horas.

Temos então, nesta feliz conjunção de calendário, uma luta miltoniana de oposto. De um lado, Cristo. O alfa e o ômega, o divino ser supremo, a verdade sobre o mistério da experiência personificada. Do outro lado, a mentira. Nosso primeiro talento cônscio, o distintivo moral da nossa humanidade, o abuso do conceito de fé e a perversão da palavra. Se a verdade tem seu valor absoluto no imperativo categórico kantiano, a mentira tem seu valor comprovado dia a dia, sem que ninguém a tenha rotulado com um precificador antes do embate. É com a mentira que a verdade se comprova, e é com a verdade cotidiana que a mentira encontra seu lugar no mundo, fazendo vítimas nas brechas verossímeis da vida. Que haja um dia para celebrar uma imoralidade inteiramente humana — falo aqui da mentira dita, a ludibriação intencional, que difere de métodos potencialmente mentirosos em sua essência de sobrevivência animal, como a camuflagem e o mimetismo — é um sinal sadio de que abraçamos, lado a lado com nosso desejo de santificação, aquilo que nos faz permanentemente terrenos. Regidos pelo signo da mentira desde a primeira infância, descobrimos cedo demais esse mecanismo de fácil operação que milagrosamente nos livra de qualquer inconveniente que a verdade possa nos trazer. É claro que fiz a lição de casa, mas meu cachorro a comeu. Não, não estou mentindo. E então fazemos algo deplorável depois da mentira: rimos às escondidas.

Ontem, as comemorações da Páscoa coincidiram com a celebração prática do dia da mentira. Julgo que o primeiro de abril, que tem suas origens nos ritos pagãos, seja uma data mais poderosa do que a ressurreição do nosso salvador porque guarda em si a capacidade e a liberdade de crítica que dogma nenhum jamais conhecerá — a simples coincidência de datas sugere o engrandecimento do dia pagão sobre o feriado católico, alguém perceberia.

Beckett disse que rimos daquilo que nos parece falso, imoral ou absurdo, de modo que dificilmente haveria riso no paraíso. Porque o riso é uma consequência da mentira, e porque através dele castigamos os costumes — dogmas inclusos —, este é um comportamento que desde já se coloca no espectro oposto ao imperativo categórico, como um pecado ainda mais terrível do que a mentira. Em Gênesis 18, Sara mente a Yahweh, quando ri diante da notícia de que, já muito avançada em idade, dará um filho a Abraão. O versículo 14 mostra que um mal estar foi criado, já que Deus questiona o riso de Sarah: “Haveria coisa alguma difícil ao Senhor? Ao tempo determinado tornarei a ti por este tempo da vida, e Sara terá um filho”, enquanto o seguinte mostra que a coisa ficou feia: “E Sara negou, dizendo: Não me ri; porquanto temeu. E ele disse: Não digas isso, porque te riste”. A mentira parece algo menor, inócuo, diante de rir da Verdade, aqui com a letra maiúscula que a distingue das outras, menos verdadeiras.

Sejamos sempre como este último domingo. Santos-pagãos, beatos e mentirosos, reservados e imorais. Que possamos guardar o primeiro de abril esse ano como guardamos a dualidade do próprio ser: sem levar nada a sério.

Tags: BeckettbíbliacristianismoCrônicaJesusmentiramentirososMiltonpagãoPáscoareligiosidadeRessurreiçãosantoSantos

VEJA TAMBÉM

James Gandolfini em Família Soprano
Yuri Al'Hanati

O mistério da morte

5 de abril de 2021
Wood Naipaul
Yuri Al'Hanati

Aprender a ser Biswas

29 de março de 2021
Please login to join discussion

FIQUE POR DENTRO

Calçadão de Copacabana. Imagem: Sebastião Marinho / Agência O Globo / Reprodução.

Rastros de tempo e mar

30 de maio de 2025
Banda carioca completou um ano de atividade recentemente. Imagem: Divulgação.

Partido da Classe Perigosa: um grupo essencialmente contra-hegemônico

29 de maio de 2025
Chico Buarque usa suas memórias para construir obra. Imagem: Fe Pinheiro / Divulgação.

‘Bambino a Roma’: entre memória e ficção, o menino de Roma

29 de maio de 2025
Rob Lowe e Andrew McCarthy, membros do "Brat Pack". Imagem: ABC Studios / Divulgação.

‘Brats’ é uma deliciosa homenagem aos filmes adolescentes dos anos 1980

29 de maio de 2025
Instagram Twitter Facebook YouTube TikTok
Escotilha

  • Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
  • Agenda
  • Artes Visuais
  • Colunas
  • Cinema
  • Entrevistas
  • Literatura
  • Crônicas
  • Música
  • Teatro
  • Política
  • Reportagem
  • Televisão

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.

Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Sobre a Escotilha
  • Contato

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.