Gosto de tudo a respeito dessa música. “Suicide is Painless” é superior ao próprio filme para a qual foi composta, M.A.S.H., uma pataquada de guerra que eventualmente virou uma série de TV. A música foi composta por Johnny Mandel, escolhido a dedo pelo diretor Robert Altman para a trilha sonora do filme. Gosto de como Altman fala em entrevistas que queria uma música estúpida e, após não conseguir ser “estúpido o bastante” para escrevê-la, repassou a tarefa para seu filho Michael, de 14 anos, que compôs um libelo concreto de preguiça e estafa diante da contenda da vida. “Eu tenho um moleque de 14 anos que é um completo idiota”, teria dito a Mandel como solução para a letra.
A verdade é que Altman jamais teria a capacidade artística para escrever algo que soasse minimamente real pelas lentes do absurdo (e não, seu filme não consegue isso). As notas do violão, quase todas em sétimas maiores, resolvendo apenas em um mi menor para colocar uma sombra em uma melodia ensolarada e irresoluta, transmitem uma placidez e resignação diante da escolha pelo suicídio. O refrão, entretanto, é matador. Ressalta as vantagens do suicídio: indolor e capaz de provocar muitas mudanças. Jamais testemunhei uma banda de metal profano ou qualquer outro transgressor social colocar as coisas nesses termos.
O refrão, entretanto, é matador. Ressalta as vantagens do suicídio: indolor e capaz de provocar muitas mudanças.
O verso “And I can take or leave it if I please”, por sua vez, remete a um paradoxo existencialista estabelecido por Emil Cioran, em seu Silogismos da Amargura, em que diz que “sem a ideia do suicídio, eu já teria me matado há muito tempo”. Eis o suicídio indolor ao alcance da mão. “Acredito na salvação da humanidade, no futuro do cianureto…” escreveria mais uma vez Cioran sobre o assunto. Eis um estado desejado pela maior parte dos pré-socráticos, ou mesmo por Sócrates, adepto da cicuta contra o ato de depositar a própria vida nas mãos de outros.
“Suicide is Painless” é uma música calma como a morte, calma como o suicida, que já deixa para lá seus momentos de desespero e pânico e se atenta ao sol que ainda brilhará depois de sua morte.