Dizem que não é possível que todos os moradores de Copacabana saiam às ruas ao mesmo tempo. Suas ruas não suportariam os seus mais de 36 mil habitantes por quilômetro quadrado. Suspeito que algo semelhante ocorra na minha rua, uma das menores do Cristo Rei — um bairro, ele mesmo, de ruas pequenas.
A rua é uma pequena colina que tem o cume no meu prédio. Ao longo de seus duzentos e cinquenta metros, possui, de apenas um lado, uma fileira de edifício altos, velhos e com muitos apartamentos em cada um deles. No meu condomínio apenas são 150 deles, e imagino que nos titãs que se avizinham a contagem deve se equiparar ou, pelo menos, chegar bem perto. Consequência disso é que todo mundo conhece alguém que mora ou já morou na minha rua. Taxistas que rodam a cidade inteira em busca de endereços e reentrâncias nunca perguntam onde fica uma minúscula rua de 250 metros no Cristo Rei. Um deles me confidenciou que foi namorado da ex-síndica, uma mulher vil que nunca fez as reformas externas que eu pedi, mas fez um rombo gigantesco no cofre do condomínio. Perguntou se eu gostava dela. “Ela não atendia aos meus pedidos”, respondi. “Eu sei como é, ela também não atendeu aos meus”, respondeu o melancólico motorista.
Além de numerosa, minha rua é um dos últimos bastiões da variedade social em uma cidade esquadrinhada beco a beco por faixa de renda e cafetinada pelos tubarões da especulação imobiliária.
Além de numerosa, minha rua é um dos últimos bastiões da variedade social em uma cidade esquadrinhada beco a beco por faixa de renda e cafetinada pelos tubarões da especulação imobiliária. Servidores, prostitutas e sub-empregados moram no prédio ao lado de escritores, advogados e patrões. Fosse essa outra cidade que não Curitiba, se dariam bom dia na rua, promovendo uma comunhão de classes jamais vista fora de utopias urbanísticas. No escopo do real, podemos ver um Hyundai Sonata preto estacionado na frente de um Fiat 147 vermelho queimado com um adesivo rasgado do Ratinho Junior na porta. Outros prédios estão sendo erigidos no momento. A vizinhança se espreme numa rua que poderia muito bem ser um vilarejo encerrado em si próprio.
O Cristo Rei é uma realidade paralela a pouco menos de dois quilômetros do centro da cidade. Não se vê o agito, quase não se ouve o barulho dos carros fora do horário de pico e não há, a priori, a desconfiança dos moradores de grandes centros urbanos com os seus vizinhos. Mas isso é apenas porque os moradores da minha rua ainda não inventaram de descer, todos juntos, para o térreo. Aí sim, seria o inferno.