Canek Sánchez Guevara (1974 – 2015) viveu e morreu como um exilado. Neto do guerrilheiro argentino, Guevara nunca precisou lembrar a ninguém de seu avô para se fazer entender. Seu primeiro livro, 33 revoluções e cinco contos, que acaba de ser lançado no Brasil com tradução de Julián Fuks, é uma obra póstuma, mas que faz jus às suas fixações mais íntimas: política, música, literatura, arte e cigarros.
Canek seguiu a tradição de Macedônio Fernández, mentor de Borges, e revisou seus textos por toda a sua vida, alguns deles levaram quase duas décadas até receberem o ponto final e derradeiro. Alberto Sánchez relembra, na apresentação do livro, que o filho jamais se satisfazia com o que escrevia – e também com aquilo que vivia. Das andanças intercontinentais às batalhas internas, Guevara foi uma espécie de apátrida voluntário, aquilo que Renato Russo chamou de “ter o coração na solidão”.
A novela que dá título à obra e que encabeça o volume é um misto de autobiografia e manifesto de sobrevivência, narrando a vida de um homem em meio às suas necessidades de luta diária para manter-se no emprego burocrático e governamental, mas que banca seus desejos anarquistas. Essa é a balada de um homem comum em constante atrito consigo e com o mundo que o cerca.
Ao terminar 33 revoluções e cinco contos a impressão que se tem é que não foi uma leitura e sim uma conversa de bar entre amigos que acabaram de se conhecer.
A primeira imagem de 33 revoluções é justamente a de uma tormenta capaz de levar tudo, transformando o que há de mais sólido em brinquedos na mão de um demiurgo. Canek é, na verdade, um escritor de imagens, como se usasse as palavras para esculpir as cenas com força e brutalidade. Tudo é composto para não fantasiar a realidade, ao contrário, é preciso escancará-la, escarrá-la na cara do leitor.
Linhagem sagrada
Os cinco contos que compõem o livro mantêm a linhagem. Do underground da periferia de Havana, em “A Espiral de Guacarnaco”, ao texto beckettiano, no engraçado e trágico “O Mistério do dedo ausente”, Guevara transforma o abjeto em beleza – como fez Duchamp em sua obra mais icônica –, como a metáfora do sistema político construído sobre uma zona em “A Casa ganha”, conto com fortes influências de Vargas Llosa e Donoso.
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Existe espanto em pensar que Canek era um desconhecido: foi preciso morrer para sua literatura irrompesse e ganhasse as páginas e as estantes. E isso fica muito claro nos relatos finais “A Chama de Cristo” e “Vinte e dois”, no entanto, o arremate fica por conta de uma seção muito breve chamada “Testemunhos”, escrita pelo editor e amigo Jesús Rosique, na qual se debruça sobre a biografia de Guevara, o neto, claro, e destrincha a relação entre suas viagens e sua própria vida.
Ao terminar 33 revoluções e cinco contos a impressão que se tem é que não foi uma leitura e sim uma conversa de bar entre amigos que acabaram de se conhecer.
33 REVOLUÇÕES E CINCO CONTOS | Canek Sánchez Guevara
Editora: Tusquets Editores;
Tradução: Julián Fuks;
Quanto: R$ 19,25;
Lançamento: Outubro, 2016.