Clay está de férias da faculdade e retorna para a sua casa, num bairro nobre de Los Angeles. Lá ele encontra a sua família completamente disfuncional, com pais tão bem-sucedidos quanto displicentes que estão pouco se fodendo para o que o filho ou as filhas andam fazendo de suas vidas. O garoto reencontra seus amigos e uma antiga namorada. Todos eles se mostram bastante superficiais e também enfrentam uma rotina entediante, vazia, que aparentemente só pode ser suportada à base de drogas.
Uma das coisas mais interessantes em Abaixo de Zero é a forma magistral como Bret Easton Ellis (Psicopata Americano) narra a história. Tal como a câmera de Gus van Sant em Elefante, [highlight color=”yellow”]o narrador de Ellis apenas acompanha o dia a dia daqueles jovens, sem fazer nenhum tipo de interferência reflexiva ou qualquer julgamento.[/highlight]
A expressão “show, don’t tell“, bastante usada quando se discute técnicas narrativas, se faz muito presente no livro de Ellis, pois em momento algum vemos o personagem dizer diretamente ou mesmo pensar aquilo que está sentindo. Se o leitor percebe que o protagonista está angustiado e que provavelmente está enfrentando uma crise de depressão, isso se dá unicamente pelo conjunto das ações dos personagens, jamais por aquilo que é verbalizado.
O livro é todo permeado por um ar de desolação, por um sentimento doído de que aqueles garotos enfiaram a juventude no esgoto, enquanto os adultos assistiam à televisão.
Há um momento em que percebemos que Clay está emocionalmente devastado, enquanto olha para uma janela. Temos a descrição do que há lá fora, na noite hollywoodiana, mas não daquilo que se passa dentro dele. Em O Grande Gatsby, obra-prima de Scott Fitzgerald, temos uma cena bastante semelhante já no início do livro, quando Nick, o protagonista, vai até Nova Iorque numa festa estúpida, com pessoas que se sentem tão vazias quanto ele, e em certo momento olha pela janela do apartamento. Ele vê uma pessoa lá embaixo na rua e fica imaginando sua própria vida sendo observada a partir daquele ângulo, o que aquela pessoa vê naquela janela? Que vida idiota é aquela? Parte do desespero de Clay em Abaixo de Zero vem justamente deste olhar, pois é como se ele observasse a sua própria vida de fora e se sentisse um tanto ridículo, patético, sem rumo…
[highlight color=”yellow”]O livro é todo permeado por um ar de desolação[/highlight], por um sentimento doído de que aqueles garotos enfiaram a juventude no esgoto, enquanto os adultos assistiam à televisão. O outdoor com a frase “Desapareça Aqui” de Abaixo de Zero, tal como o outdoor com os olhos do Dr. T.J. Eckleburg em Gatsby, são a representação de tragédias testemunhadas.
Há alguém observado. Não há ninguém fazendo nada.
A apatia que todos os personagens demonstram chega a ser perturbadora. Ela surge em momentos de violência extrema, mas me parece mais impactante e significativa quando surge em situações mais banais, como quando Clay se recorda de um diretor de cinema conversando com seu pai sobre a morte de um dublê durante um de seus filmes e o jovem fica torcendo, sem sucesso, para que o diretor pelo menos se lembre do nome da vítima.
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Toda essa apatia só é quebrada através de um desequilíbrio químico controlado (num certo momento, ele toma Valium para tentar rebater a cocaína), ou através de algum impacto físico. É interessante perceber, por exemplo, que a sexualidade do personagem só é despertada após um acidente de carro, como se a vida tivesse que chacoalhá-lo de forma violenta para que ele enfim acorde.
Ellis nos apresenta jovens com os rostos tristes, iluminados pela confusão de tons das noites de Hollywood. Cheios de grana e nada para fazer, eles ficam sabendo onde estão seus pais por meio de revistas de fofoca e preenchem suas horas vazias com as cores da MTV, eternamente presente nos televisores que nunca desligam.
Trata-se de um retrato de uma geração perdida (como todas as outras?), um sobrevoo que paira sobre vidas destroçadas, observando um mapa muito triste, repleto de cicatrizes.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]ABAIXO DE ZERO | Bret Easton Ellis
Editora: Rocco / L±
Tradução: Rick Goodwin;
Tamanho: 176 págs;
Lançamento: Janeiro, 2012 [atual edição].
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