O Nobel de Literatura concedido a Bob Dylan ainda é notícia – a mais recente sobre o suposto plágio que teria cometido em seu discurso na Academia Suíça. Há quem defenda o prêmio e há quem afirme que não merecia. Vale lembrar que, antes do cantor, a jornalista Svetlana Alexijevich foi agraciada com o louro mais importante das letras. Trocando em miúdos, os organizadores do Nobel ultrapassaram os conceitos de literatura e seus gêneros. Fica a pergunta: Capote teria levado o prêmio por A Sangue Frio se o livro tivesse sido publicado hoje? Impossível dizer.
Polêmicas à parte, Dylan é um baluarte da música, responsável por ter revolucionado o folk e por ter sido o primeiro herege a usar a guitarra elétrica – em “Like a rolling stone” – dentro do gênero que o consagrou. Os únicos dois trabalhos literários, por assim dizer, de Robert Allen Zimmerman são Crônicas Vol. 1 – que jamais ganhou sua continuação – e Tarântula, ambos editados no Brasil pela editora Planeta (embora o segundo saia pelo selo Tusquets). A Companhia das Letras lançou recentemente Letras (1961 – 1974), primeiro volume de uma série com as canções de Dylan.
É muito fácil perceber que tanto Crônicas quanto Tarântula estão muito aquém do que Bob Dylan produziu como letrista. Enquanto Crônicas se propõe a ser um livro de memórias, relembrando pontos seminais de sua carreira – como a assinatura do seu primeiro contrato –, Tarântula mais parece um exercício poético ainda em construção. Publicado originalmente em 1971, o livro de poesia em prosa começou a circular no mercado negro a partir de 1966, quando as primeiras provas foram enviadas à imprensa.
São textos que flertam com o surreal e com a construção da imagem por meio da palavra, como se houvesse uma espécie de transparência capaz de reproduzir na retira do leitor o que está no papel.
Em ambos os casos, Dylan constrói um universo muito próprio, extremamente íntimo e particular – voltado aos fãs mais ardorosos. Não que os livros sejam impenetráveis, mas é preciso que o leitor esteja suscetível, e consciente, para que seja guiado por caminhos que se bifurcam. Ao contrário do que fez Patti Smith com Só Garotos e Linha M – quem sabe as memórias mais bonitas e poéticas já escritas no rock –, Dylan criou uma redoma de proteção e autopreservação sobre si por meio do discurso, algo que jamais aconteceu em suas músicas.
Imagens
Dylan é um grande criado de imagens. Suas músicas são povoadas delas – ouça “Hurricane”, “It’s all over baby blue” ou “Mr. Tambourine man” – e você vai perceber que está tudo lá. Com a sua literatura não é diferente. Em Crônicas, alterna entre os fatos e os pensamentos, misturando o que realmente aconteceu e aquilo que pensava à época. Uma estratégia sagaz de compreensão e justificativa.
Tarântula, um livro complexo e cheio de referências, muitas vezes parece ter saído da cabeça de David Lynch. Todos os textos são assinados com ironia por nomes como Ivan Chovessangue, Syd Perigoso, Homem de Plástico e Tesudo Enevoado. São textos que flertam com o surreal e com a construção da imagem por meio da palavra, como se houvesse uma espécie de transparência capaz de reproduzir na retira do leitor o que está no papel.
LETRAS (1961-1974) | Bob Dylan
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Caetano Galindo;
Quanto: R$ 71,90 (740 págs);
Lançamento: Abril, 2017.
TARÂNTULA | Bob Dylan
Editora: Planeta | Tusquets;
Tradução: Rogério Galindo;
Quanto: R$ 23,20 (136 págs);
Lançamento: Fevereiro, 2017.