A biografia de Mário Vargas Llosa, Nobel em 2010, é algo espantoso. Após concorrer à presidência do Peru, no começo da década de 1990, os anos de militância pela esquerda foram por água abaixo. A sua decepção – ou seria guinada à outra direção? – foi muito parecida à qual Fernando Gabeira foi submetido. A derrota para Fujimori fez com que o escritor tivesse de deixar o país e se exilasse em Paris. A ferida ainda está aberta. Cinco Esquinas (Alfaguara, 213 páginas), que acaba de ser lançado no Brasil, não deixa ninguém mentir.
O ex-presidente peruano, que por pouco não emplacou sua herdeira no “trono”, é a figura central do romance, que o apresenta como chantagista. Como Umberto Eco em Número Zero, Llosa constrói, via jornais, uma grande rede de intrigas. Para o escritor, inimigo do peito de García Márquez, a era do fujimorismo foi o grande câncer peruano, um investimento que, em vez de saldar débitos, deixou uma grande dívida – metaforicamente falando.
Mais que literatura, Cinco Esquinas é um grande acerto de contas político e uma catarse do autor.
Ao mesmo tempo, o livro é um manifesto saudosista. Cinco Esquinas é um bairro de Lima, uma espécie de ágora da intelectualidade limenha, e que foi frequentado por Llosa na juventude. É ali que estão os seus personagens: figuras do jornalismo sensacionalista. É como, pelas mãos de Fujimori, todos os dias nas redações nascesse um Bebê Diabo – caso célebre da imprensa falaciosa brasileira.
Sem erro, Cinco Esquinas é um livro politicamente engajado e com um objetivo único: revisitar e revirar a história mal resolvida do autor e também de seu país. Não existe a utopia dos primeiros escritos de Llosa, mas ainda resiste a beleza de um trabalho bem lapidado – ainda que carregado de certa ideologia.
Peso político
O envolvimento de Llosa com a política não vai eclipsar sua literatura, mas dá certo peso ao que tem escrito. Amigo pessoal do presidente Pedro Pablo Kuczynski, o autor de A Casa Verde e Conversas na Catedral vê o governo como uma oportunidade de colocar o povo peruano à margem do que Fujimori legou. Sobre a delicada situação da democracia brasileira, Llosa é cauteloso e, em entrevista à Folha de S. Paulo, disse esperar uma renovação após a saída da presidenta Dilma.
Por outro lado, o Nobel coloca em seu texto a necessidade de respeitar a memória das quase 100 mil vítimas deixadas pelo Estado entre 1990 e 2000. Da mesma maneira que Kleber Mendonça Filho fez de seu Aquarius uma voz contra a tomada de poder peemedebista, Llosa transformou seu livro em um manifesto contra aquilo que ele não acredita. Mais que literatura, Cinco Esquinas é um grande acerto de contas político e uma catarse do autor.