Há anos não se via um livro assinado por ninguém, um autor invisível escondido atrás do confortável anonimato. Diário de um Ladrão de Oxigênio (Intrínseca, 160 páginas) é, como o próprio título indica, um livro claustrofóbico e asfixiante sobre um homem que abusa “mentalmente, não fisicamente” de suas amantes. O narrador é um publicitário freelancer devastado emocionalmente e que, para vingar-se do mundo, devasta as mulheres que cruzam o seu caminho.
Brutal em seus relatos, que não se sabe se são reais ou ficção, o autor-narrador cria um painel bizarro das atrocidades cometidas pelo simples e puro prazer. É chocante conhecer os meandros de uma mente maníaca e absurdamente centrada em desgraçar outras pessoas. Em tempos de luta contra a misoginia – que para o protagonista não passa de uma piadinha de mau gosto –, o livro é uma leitura obrigatória para impedir que o que está ali se torne realidade – se é que já não se tornou.
As lágrimas são o mínimo que ele espera das mulheres. “Por que as pessoas matavam umas às outras? Porque elas gostavam disso. Será que era mesmo assim, tão simples? Despedaçar uma alma é mais fácil quando o perpetrador já passou pela mesma experiência”, diz em determinado trecho. É desafiador o tom que dá ao Diário: recheia as experiências mais nefastas de um humor cínico, capaz de enlaçar o leitor por um prazer sádico e cheio de culpa.
Enquanto muita gente se escandalizou com a onda de literatura erótica que assolou as livrarias, é preciso estar preparado para o que se lê ou lerá no Diário. Imagine que Salò, de Pasolini, se passa em Nova York e que, aparentemente, pode acontecer com qualquer pessoa desavisada da crueldade humana.
Provavelmente inspirado pelo Diário de um Ladrão, de Jean Genet – esse sim, narra suas próprias vivências –, o enigmático autor parece alinhar o escritor francês, em sua essência e exageros, a F. Scott Fitzgerald, mas sem a mesma elegância. A situação ganha um novo olhar a partir do momento em que jogo vira e quem conta a história passa a ser o objeto.
Por isso é necessário que ele seja lembrado e colocado às vistas de quem passa despreocupado pelas vitrinas de livrarias, postos de gasolina e afins. Enfim, é fundamental lutar contra tudo o que está ali.
Sombras
Acredita-se que o autor seja um britânico que, após publicar por conta, descobriu-se best-seller e começou a receber pedidos cada vez maiores de livrarias como a Shakespeare & Co, responsável por editar nomes como James Joyce. À sombra do “anônimo”, o escritor pode se aventurar em contar aquilo que viveu, viu ou, mesmo, inventou. Ainda que o narrador diga-se culpado por pelo que fez, é possível que, para o escritor, tudo não passe de literatura, de arte.
Não que a arte não possa chocar, pode e, em alguns casos, é melhor que choque, que explore o terrível, o impensável. Por isso é importante que o Diário de um Ladrão de Oxigênio não passe em branco. Por isso é necessário que ele seja lembrado e colocado às vistas de quem passa despreocupado pelas vitrinas de livrarias, postos de gasolina e afins. Enfim, é fundamental lutar contra tudo o que está ali.
DIÁRIO DE UM LADRÃO DE OXIGÊNIO | Anônimo
Editora: Intrínseca;
Tradução: Alexandre Martins;
Tamanho: 160 págs.;
Lançamento: Setembro, 2016.