Não existem livros morais ou imorais. Apenas bem ou mal escritos. Oscar Wilde – mestre na arte da boa escrita – deu a sua sentença no prefácio de seu único romance, O Retrato de Dorian Gray, o mesmo que seria usado como prova contra o escritor no processo que o levaria a dois anos de trabalhos forçados em Reading. Em busca do Barão Corvo (tradução de Fernanda Drummond), de A.J.A. Symons (1900 – 1941), teria tudo para entrar no rol das obras imorais, mas encontrou seu verdadeiro abrigo no panteão dos livros maravilhosamente bem escritos.
Em um texto incrivelmente lapidado, Symons constrói – a partir de uma investigação pessoal – o modelo do que seria a biografia moderna. Em busca do Barão Corvo é a exumação da memória de Frederick Rolfe (1860 – 1913), um dândi excêntrico e aspirante a padre que vê a sua carreira sacerdotal desmoronar após o veredicto de que não possuía vocação para a vida em seminário. O resultado dessa frustração é Hadrian the seventh, publicado em 1904, e que narra a saga de um homem comum alçado ao trono do sumo pontífice. Essa sátira foi o estopim para que Symons se descobrisse obcecado pelo autor, àquela altura falecido e esquecido.
Partindo da relação complexa de Rolfe com o mundo, que chega a abandonar o próprio nome e passa a se chamar Barão Corvo, é que Symons cria a sua obra: uma vertiginosa viagem pela nebulosa vida de um homem errático. Se em Londres Corvo já não tinha mais espaço – já havia tantos desafetos quanto possível e os jornais passavam a ridicularizá-lo –, em Veneza, cidade que escolhe como exílio, também não alcançaria melhor sorte. Nesse amontoado de infortúnios, Rolfe forja o mito e se consolida como outsider autêntico – o grão-mestre de uma geração de desajustados e prolíficos artistas.
Homossexual assumido, Rolfe sabia de suas contradições e as explorava como poucos souberam fazer. Diante das angústias e revelações que uma vida tão singular como a sua podia trazer, o Barão Corvo fazia de si mesmo um personagem, um retrato mordaz da hipocrisia em que sociedade vitoriana insistia em enfiar seus súditos.
Inédito no Brasil até agora, Em busca do Barão Corvo é um livro sobre memória e resgate, mas também sobre a importância de manter viva a chama que alimenta a alma.
Resgate
Em busca do Barão Corvo é, antes de tudo, um mergulho nas profundezas de uma personalidade única. Symons, que via em seu personagem também o seu reflexo, esmiuçou o que devia e o que não podia para criar um retrato fiel: foi atrás de colegas de batina, conversou com o irmão de Rolfe, leu as cartas trocadas com amigos e conseguiu os impressos que faziam troça do seu personagem. É um mosaico preciso e complexo, sinestésico e apaixonante de um sujeito cuja vida e obra estavam sobre os escombros da História.
Nesse jogo suntuoso, a biografia toma tons literários e uma estética única para a época. Symons, que ao morrer deixou incompleta a biografia de Wilde, sabia muito em que lugar queria deixar seu legado: estava plenamente consciente de todo o seu talento e do seu manejo com a pena, apesar das constantes reclamações de que escrevia com dificuldade.
Inédito no Brasil até agora, Em busca do Barão Corvo é um livro sobre memória e resgate, mas também sobre a importância de manter viva a chama que alimenta a alma.