Quando nada satisfaz alguém não há dinheiro, fama ou diversão ilícita que acalme a criatura, e todas as suas proezas a deixam uma sensação de vazio. O título Ensaio do Vazio entrega um pouco, mas não dá conta do abismo interior em que o protagonista fica nessa ficção de Carlos Henrique Schroeder, publicada pela 7Letras em 2006.
Acompanhamos um protagonista cujo nome não sabemos de imediato – vamos chamá-lo de “o cara” por enquanto -, cuja desilusão o dá a rasteira que faltava. Um artista plástico casado com uma palestrante de autoajuda, ah, não tem como dar certo, podia ter casado com aquela outra, o casório virou uma repetição de brigas idiotas e ambos estão cada vez mais fartos um do outro. Mas grande porcaria, porque “o cara” sempre tem uma diversão à espera. Prostitutas, drogas, masturbação, “o cara” tem o mundo a mão e falta muito pouco para comprá-lo de vez.
Ele ficou rico o bastante com arte a ponto de, em bom português de rua, limpar a bunda com cheque – fala das grifes em sua casa como se fossem mobílias descartáveis, prontas para serem trocadas em um estalar de dedos; e mesmo reconhecendo o quanto deve financeiramente à sua arte, fala dela com tanto desprezo como se a pudesse jogar fora. Depois de (outra) insatisfação caseira, “o cara” vai à rua afogar as mágoas e só quer ficar na dele, mas justo onde para é reconhecido por um desafeto.
Outro ponto positivo desse Ensaio do Vazio é mostrar alguns aspectos da voz do autor em estágio larval. O trabalho com a forma é visto em mudanças de tempo nesta ficção.
Aí vem um dos méritos desta ficção. O que aconteceu com o protagonista após ter sido visto fica pra depois porque o acompanhamos em outra época, anos antes dele se tornar “o cara”. É quando aprendemos o nome dele, Ricardo, e também o quão bicho do mato ele se vê. Filho de uma família conservadora cuja mãe começa a exigir dele uma “atitude nupcial”, em suas palavras, o fedelho mal saído da escola fala de como virou produto mercadológico e percebemos que o desprezo era cultivado desde tenra idade.
“Na adolescência, morar numa cidade interiorana de cinco mil habitantes é ser lobotomizado. […] Quando se é jovem, o mundo está lá fora, vital, esperando-o. Escapei de algumas armadilhas.”(p.25). Em menos de dez páginas se percebe que o próprio criou suas armadilhas: cursando uma faculdade mais pela pressão externa do que por vontade, sugando dinheiro da família, esfolando a namorada e buscando chances para traí-la por “fins terapêuticos”, além das fracassadas tentativas de socialização entre o povo da ideologia ou querer bancar “o cara” com roupas descoladas. Muda um pouco quando Ricardo sabe de uma seita/grupo dos diferentões/ordem maçônica chamada SDI, a Sociedade da Devassidão Inata. Não é todo grupo que exige desprendimento moral e hedonismo de seus membros, e o nosso protagonista tenta se envolver com a SDI até descobrir que só pode acontecer o contrário, sem ideia de como isso pode influenciar seu futuro.
Outro ponto positivo desse Ensaio do Vazio é mostrar alguns aspectos da voz do autor em estágio larval. O trabalho com a forma é visto em mudanças de tempo nesta ficção, possível ensaio do uso da forma em As Fantasias Eletivas (2014); e também um pouco da linguagem e maneiras do protagonista, ampliados em História da Chuva (2015). E talvez um aspecto comum aos três livros seja a confusão de seus protagonistas, às vezes andando em círculos sem entender o que lhes acontece, ensaiando a própria vida.