A cada primeiro de agosto, às 17h, sirenes tocam em toda a Polônia para rememorar o início do Levante de Varsóvia.
Uma visão bastante detalhada do Levante, daqueles “sessenta e três dias e sessenta e três noites” pode ser obtida na obra Levante 44: a batalha por Varsóvia, de autoria do historiador Norman Davies, traduzido para português por Tomasz Barcinski e publicado pela Editora Record, em 2006 (é possível ver, também, um vídeo sobre o livro).
Contudo, quero me ater ao fortíssimo relato de Anna Świrszczyńska, escritora polonesa que participou do Levante, sobreviveu a ele e “sobre isso precisa falar”.
Eu construía a barricada foi publicado em 2017, na tradução de Piotr Kilanowski (com revisão de Eneida Favre), por uma pequena editora curitibana, a Dybbuk. Interessantes resenhas podem ser lidas aqui e aqui. Ademais, pode-se ler um artigo do tradutor.
Eu construía a barricada é uma visão feminina sobre a guerra. Pequena digressão tradutória: em polonês, os verbos marcam gênero, o título original, portanto, marca fortemente que o “eu” que construía a barricada é feminino.
Agora, ao livro.
Eu construía a barricada é uma visão feminina sobre a guerra. Pequena digressão tradutória: em polonês, os verbos marcam gênero; o título original, portanto, marca fortemente que o “eu” que construía a barricada é feminino.
Esta visão feminina da guerra (em oposição a uma “visão masculina”, para citar Svetlana Aleksiévitch) despe a guerra da ideia de glória, de honra e de “necessidade histórica”. A guerra é hedionda, embora muitas vezes seja preciso lutá-la.
O Levante, na visão de Świrszczyńska, é cheio de pus, de sangue, de piolhos, de mães que perdem seus filhos, de filhos que perdem suas mães, de um menino que era “o melhor aluno de polonês” e que não conseguiu atirar nos olhos do soldado alemão, pois
“[…] não lhe ensinaram
nas aulas de polonês
a atirar nos olhos de um homem.”
A poética do livro é assustadoramente realista, não há espaço para jogos com a linguagem: quem sobreviveu sabe que “é preciso dar testemunho”. Świrszczyńska dá seu testemunho do horror, mas também fala de heroísmo, não aquele heroísmo de generais, mas do heroísmo do melhor aluno de polonês, do heroísmo que está no pensamento da enfermeira de catorze anos:
“[…] E que eu morra tantas vezes
quantas há pessoas no mundo
para que elas não tenham que morrer mais,
nem mesmo os alemães.”
O Levante, conforme visto e narrado por Świrszczyńska, é esperança, loucura, covardia e heroísmo. Os construtores da barricada eram pessoas comuns, sem treinamento militar, poetas (como Świrszczyńska e Krzysztof Kamil Baczyński, que lutou e morreu no Levante), “o bodegueiro, a amante do joalheiro, o barbeiro”. Todos covardes, dirá Świrszczyńska, ainda que:
“[…] Embora ninguém nos obrigasse
construíamos a barricada
sob o tiroteio.”
A autora encerra com um brevíssimo texto em prosa em que fala, não poderia ser diferente, sobre o Levante: “[…] Ninguém podia ter certeza de estar vivo daqui a cinco minutos. As ruas estavam cheias de cadáveres, as ruínas exalavam o fedor dos corpos em putrefação. Apesar dessas condições monstruosas, a cidade combateu heroicamente durante 63 dias. Tanto os insurgentes quanto a população civil manifestavam extraordinária força de espírito, mas por fim, diante da falta de alimentação, armas e munições Varsóvia teve que se render”.
EU CONSTRUÍA A BARRICADA | Anna Świrszczyńska
Editora: Dybbuk;
Tradução: Piotr Kilanowski;
Tamanho: 216 págs.;
Lançamento: 2017.
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