Acácio Nobre foi uma espécie de Professor Pardal português na virada do século XIX. Misterioso, avesso às fotografias e outras tecnologias de sua época, foi responsável por construir puzzles geométricos e brinquedos educativos que instigavam toda a Europa. Alguns de seus quebra-cabeças chegaram a ser vendidos nas trincheiras da 1º Guerra Mundial. Acácio, que foi enviado para o meio das batalhas para promover suas criações, foi considerado o primeiro correspondente de guerra, já que – em suas cartas – documentou e registrou muito do que viu.
A coleção privada de Acácio Nobre, publicado por Patrícia Portela, é um livro-espólio sobre o legado do “Da Vinci português”. Reunindo fragmentos de cartas, anotações, correspondências com Fernando Pessoa, Herman Melville e Albert Einstein, a obra é o documento fundamental para entender uma das pessoas mais fascinantes e esquecidas da história mundial. As imagens e reproduções dos objetos pessoais de Acácio Nobre criam uma incrível colcha de retalhos entre a realidade – algo que o “personagem” sempre refutou existir – a ficção.
Como um Forrest Gump lusitano, Acácio nunca se deixou enquadrar pela sociedade. Idealista de uma educação plural e para as artes – em um momento no qual a maioria da população nem acesso à escola tinha –, engendrou um plano para aulas de desenho fossem obrigatórias em todas as escolas portuguesas. “As palavras são insuficientes, só o desenho as pode completar”, escreveu em 1915.
Dúvidas
Como um Forrest Gump lusitano, Acácio nunca se deixou enquadrar pela sociedade.
Patrícia Portela descobriu Acácio Nobre por acaso, no final da década de 1990. A partir desse encontro, nunca mais deixou de investigar esse homem que, mesmo calado, tinha muito a dizer e a mostrar. É impossível divisar o que integra a mitologia envolvendo essa figura e o que é real. Tudo é muito tênue em A coleção privada de Acácio Nobre.
Como uma grande nota de rodapé que dá corpo às imagens e aos detalhes íntimos do inventor, o livro se comporta como um quebra-cabeça, uma mensagem a ser decifrada pelo leitor. Portela não oferece resposta – talvez nem diga qual é, exatamente, a pergunta. Nada está plenamente construído, justamente porque este não é um livro sobre certezas, ao contrário, é um compêndio de dúvidas.
Ainda que a obra não se proponha a ser uma biografia, não há como negar que acaba carregando certo tom memorialístico. Em um tempo de pós-verdade e fake news, é fundamental que o pensamento crítico, e criativo, de um gênio venha à tona. Não há melhor maneira de apaziguar os ânimos tão polarizados que com a arte.
A COLEÇÃO PRIVADA DE ACÁCIO NOBRE | Patrícia Portela
Editora: Dublinense;
Tamanho: 224 págs.;
Lançamento: Novembro, 2017.