Elena Ferrante é muito mais que uma mulher escondida atrás de um atraente pseudônimo. A despeito de todo o mistério em torno de sua identidade, sua ficção é ainda mais envolvente que factoides literários. A Intrínseca acaba de publicar no Brasil A Filha Perdida (170 páginas), um romance clariceano e dilacerante. De chofre, é bom deixar claro que o livro não faz parte da prestigiosa tetralogia napolitana, que está no catálogo da Biblioteca Azul, mas isso não faz dele uma obra menor – ao contrário.
A Filha Perdida é a história de Leda, uma mulher de 48 anos, que abandona o marido e as filhas, que vão morar no Canadá, para viver sozinha e tentar resolver os conflitos com seus próprios demônios. Aliviada, e ao mesmo tempo atormentada, pela solidão, decide ir ao litoral italiano para buscar paz e se distanciar o quanto for possível do ambiente acadêmico (Leda é professora de literatura inglesa em uma universidade).
A despeito de todo o mistério em torno de sua identidade, sua ficção é ainda mais envolvente que factoides literários.
Sua paz acaba quando encontra na praia uma família grosseira e barulhenta. Instantaneamente, ela nota que aquelas pessoas na areia são parecidas com seu pai, sua mãe, seus tios. Essa semelhança, de certa maneira, a envergonha, a faz querer ignorá-los, mas não consegue concretizar seu plano. A pequena Elena, uma menina de três anos que não abandona a boneca Nani, faz a sua arrogância cair por terra.
Naquela mesma enseada Leda mantém um breve romance com o salva-vidas Gino, um rapaz muito mais novo, que não demorará a se encantar com Nina, a mãe de Elena. Esse cenário é somente o fundo para os tormentos de Leda. A maestria com que Elena Ferrante narra a confusão mental de uma mulher à beira de um ataque de nervos mais parece um catarse, um exorcismo.
O Sumiço
A filha perdida em questão não é nem Marta ou Bianca, as filhas de Elena, mas Nani, a boneca. O misterioso sumiço do brinquedo é uma metáfora para as mágoas e martírios autoimpostos de Leda – e também de cada leitor. É duro saber que Elena sente falta da boneca, passa mal, tem febre. Mas é difícil não se sensibilizar com a crueza de Leda, uma mulher à flor da pele, uma mulher perdida em seu próprio labirinto.
Elena Ferrante domina a narrativa por meio de uma prosa simples, porém, profunda, faz seu leitor mergulhar – ou seria chafurdar? – junto com os personagens. A complexidade está no caráter das crias da autora. É impossível ficar indiferente. Como a portuguesa Ana Cássia Rebelo, no pungente Ana de Amsterdam, Leda e Nina rejeitam a maternidade enquanto também a aceitam. São contrapontos da personalidade humana, contrapontos que demonstram a fragilidade e ambiguidade que guardamos conosco. A Filha Perdida é a história de uma mulher sedenta em busca de água.
A FILHA PERDIDA | Elena Ferrante
Editora: Intrínseca;
Tradução: Marcello Lino;
Tamanho: 176 págs.;
Lançamento: Outubro, 2016.