Em A gata, um homem e duas mulheres seguido de O cortador de juncos (Estação Liberdade, 2017), Jun’ichiro Tanizaki reúne duas novelas em que a trama principal é formada por triângulos amorosos. A primeira narrativa, além de duas mulheres e um homem, traz como protagonista uma gata, compondo um drama que evolui para a comédia. A segunda evoca passagens do teatro nô, oscilando entre tons melancólicos e sublimes. As duas narrativas dão conta do repertório do escritor japonês, agudo observador da essência da natureza humana e conhecedor da cultura clássica.
Gatos são personagens comuns na literatura japonesa contemporânea. É só lembrar do romance Eu sou um gato (Estação Liberdade, 2008), de Natsume Soseki, no qual um gato narra a vida monótona e relações sociais hipócritas de seu dono, um professor. Ou Kafka à beira mar (Alfaguara, 2002), de Haruki Murakami, em que um gato falante insere elementos fantásticos no cotidiano de um velho com problemas mentais. Lily, a gata de Tanizaki, é motivo de discórdia entre as mulheres do pacato comerciante Shozo. Ao se desenrolar a trama, percebe-se que o felino é um joguete nas mãos das mulheres manipuladoras.
O “homem” da novela compõe o elenco de heróis típicos do autor, balofos e fracos. Shozo é herdeiro de uma pequena loja e sua única paixão na vida é a gata. Casa-se com Shinako, e esta, vendo que o marido não consegue mantê-los, resolve costurar. A situação remediada do casal é suficiente para estimular Orin, mãe de Shozo, a tramar a separação. Por conta de desavenças com Shinako, ela se refugia na casa do irmão. E o filho é obrigado a buscá-la. Aí, aproxima-se da prima Fukuko e tal intimidade desperta a ambição de Orin. Fukuko tem um dote precioso. Shozo abandona a costureira, mas leva a gata Lily. A ex-esposa enxerga na paixão de Shozo uma possibilidade de reaver o marido e inicia a conspiração.
Publicada em 1936, Uma gata, um homem e duas mulheres segue a linha de investigação da essência natureza humana do autor, na qual se destacam o erotismo, a possessão, a perversidade.
A novela começa com uma carta de Shinako, implorando a devolução da gata. Usando as palavras com astúcia, faz ver o apego de Shozo por Lily, o que desperta o ciúme de Fukuko. Esta, ao comprovar a paixão desmesurada do marido, resolve entregar a gata à costureira. Shinako acaba se apegando ao animal, que se torna o símbolo das carências do meio em que vive.
Publicada em 1936, Uma gata, um homem e duas mulheres segue a linha de investigação da essência natureza humana, na qual se destacam o erotismo, a possessão, a perversidade.
O tom de comédia está presente em passagens como esta: “sempre que ia para a cama, Shozo tinha que estender um braço como almofada e depois tentar dormir numa posição estudada e mexer-se o mínimo possível. Assim deitado, usava a outra mão para afagar a zona do pescoço, que é onde os gatos mais gostam de festinhas; e Lily respondia imediatamente ronronando de satisfação. Até podia começar a morder-lhe o dedo, ou deitar-lhe gentilmente as garras, ou babar-se um pouco: tudo sinais de que estava excitada”.
‘O cortador de juncos’
Já O cortador de juncos evoca narrativas do teatro nô, quando os personagens se cruzam em meio ao rio Yodo, em Okamoto. O narrador encontra um segundo personagem, que conta a história de sua família. Seu pai, Serihashi, apaixonou-se na juventude por uma jovem de beleza excepcional, Oyu. Embora de origem burguesa, é tratada como se fosse nobre. A jovem é mantida pela família do marido falecido, de quem teve um filho. Para manter os seus privilégios, Oyu não pode se casar. Para ficar junto de sua amada, Serihashi casa com uma de suas irmãs, Oshizu, que, por sua vez, casa-se apenas para ser leal a Oyu e não pretende consumar a união. Com o tempo, aumentam as fofocas sobre a paixão de Serihashi pela cunhada. O desfecho do triângulo amoroso é trágico.
Jun’ichiro Tanizaki nasceu em Tóquio, em 1886; morreu em 1965. Estudou literatura japonesa na Universidade Imperial de Tóquio. Na juventude, admirava autores ocidentais, tendo vivido por curto período em uma casa de estilo ocidental em Yokohama, subúrbio de Tóquio e lar de estrangeiros expatriados. Lá levou um estilo de vida boêmio. Em 1923, um terremoto destruiu sua casa, forçando Tanizaki a se mudar para Ashiya, na região de Kyoto e Osaka, fornecendo cenários ao seu romance As irmãs Makioka.
Entre suas principais obras publicadas no Brasil estão Amor insensato (1924; Companhia das Letras, 2004), Voragem (1928; idem, 2001), Há quem prefira urtigas (1930; idem, 2003), A chave (1956; idem, 2000) e Diário de um velho louco (Estação Liberdade, 2002). É ainda autor do ensaio Elogio da Sombra. Tanizaki também traduziu para o japonês autores ocidentais, como Stendhal e Oscar Wilde.
A GATA, UM HOMEM E DUAS MULHERES / O CORTADOR DE JUNCOS | Jun’Ichiro Tanizaki
Editora: Estação Liberdade;
Tradução: Andrei Cunha, Clicie Araujo, Lidia Ivasa, Maria Luisa Vanik Pinto e Tomoko Gaudioso;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2016.