Em 1974, Muhammad Ali foi ao Zaire – atual República Democrática do Congo – para enfrentar George Foreman, no embate que seria chamado de “a maior luta de boxe do século XX”. No encalço de Ali estava o escritor e jornalista Norman Mailer. O resultado desse jogo de gato e rato seria um dos livros mais icônicos do jornalismo literário, A Luta, uma viagem entre os medos e desejos de dois nomes importantes do esporte.
Seguindo os passos de Mailer, o repórter Adriano Wilkson foi por vários meses a sombra de Acácio Pequeno, lutador de MMA em busca de um lugar ao sol no UFC e que, apesar do apelido, é uma muralha de quase dois metros de altura. A Grande Luta, publicado pela todavia e que nasceu como uma reportagem narrativa sobre o ritual assombroso de um lutador que desidrata em um motel para perder peso, é o retrato pouco convencional do lado obscuro do octógono e dos mecanismos que regem o esporte.
Wilkson, confesso desinteressado pelas lutas, pouco a pouco está imerso em Acácio. Não exatamente no atleta, mas no ser humano que tenta estabelecer uma carreira sólida, porém esbarra nos entreves – tantas vezes invisíveis – e acaba por sustentar a família como vigilante. Em um jogo de espelhos, A Grande Luta se vale do detalhamento psicológico de seus personagens para criar o zeitgeist da modalidade.
À medida que o livro avança, o leitor percebe que a grande luta de Acácio não tem outro adversário senão os obstáculos que são colocados – um a um – à sua frente. Acácio Pequeno é o seu próprio Foreman.
Sem prender-se à mitologia que ronda o MMA, o autor percorre o histórico da luta: dos tempos do vale-tudo ao entretenimento para toda a família – e como a pancadaria desenfreada se tornou em um lucrativo esporte ordenado e cheio de regras. Não há cinismo – por parte do jornalista – ao transpor esses limites, entretanto, são inegáveis os sacrifícios dos atletas cujo objetivo é ser contratado pelo UFC. O paralelo mais preguiçoso seria o do jogador de futebol de categoria de base que sonha em ser comprado por time grande. A ideia é mesma.
Publicado em um momento no qual a cobertura jornalística está às mínguas e a apuração se resume a poucos telefonemas, o livro é um relicário da determinação de um brasileiro às margens.
Relicário
Acácio Pequeno não tem nem dois mil seguidores no Facebook. Está longe do estrelato e cada vez mais distante do seu sonho. E isso faz dele um personagem ainda mais fascinante. Wilkson – que agora está às voltas com o caso do assassinato do ex-jogador Daniel, morto após uma festa em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba – vai desenhando a frustração do lutador enquanto observa outros nomes do MMA que ascendem muito mais rápido.
Os nuances se desdobram em tensões narrativas que conduzem o leitor pelo backstage antes e depois da luta, pela sala de espera do hospital, enquanto a esposa de Acácio está em trabalho de parto, ou após o atleta descobrir que a sua próxima luta – a primeira em vários meses – foi cancelada.
A Grande Luta é um livro sui generis no jornalismo brasileiro. Publicado em um momento no qual a cobertura jornalística está às mínguas e a apuração se resume a poucos telefonemas, o livro é um relicário da determinação de um brasileiro às margens.
A GRANDE LUTA | Adriano Wilkson
Editora: todavia;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Março, 2018.