“Se você tiver de morrer, é melhor morrer no Times”.
A frase acima, proferida pelo jornalista A.M.Rosenthal, resume a importância da seção de obituário de um dos maiores veículos da mídia impressa mundial, o The New York Times.
A editoria, apelidada durante muitos anos como a “Sibéria” do jornalismo, para onde alguns poucos condenados eram enviados a fim de cumprir suas penas, ganhou relevância à medida que passou não só a se ocupar de figurões das artes ou da política, e se debruçou sobre a vida de pessoas comuns que, em algum momento, fizeram coisas incomuns. Isso tudo embalado por um texto salpicado dos requintes do “jornalismo literário”, fugindo da camisa de força do lead e incorporando os elementos que fazem da palavra escrita um raro prazer. O livro das vidas, organizado por Matinas Suzuki Jr, está repleto deles.
A obra é um compilado de textos que impressionam pela qualidade em sintetizar em poucos caracteres uma vida inteira, contando histórias de maneira emocionante e mostrando que cada uma dessas vidas foi importante.
As 58 crônicas apresentam ao leitor o lado B da história de cada personagem, sempre feitas a partir de uma pesquisa meticulosa e uma apuração que chega à infância dos falecidos.
No entanto, algumas anedotas presentes foram nitidamente coletadas na mesa de bar, no bate papo com os que conheciam o finado. O que pode diminuir um pouco a credibilidade dos textos, visto que quando um herói morre, a comoção é geral e as histórias podem crescer em uma espécie de telefone sem fio. Ao mesmo tempo é uma estratégia infalível para seduzir o leitor.
Pautados por Deus
“Quase nunca temos a necessidade de apresentar o morto como um santo ou um monstro: é possível ser realista, até mesmo picante, sem ser injusto ou cruel.” – Stanley Walker no livro City Editor.
No início do livro, surge o receio de que os obituários tratem apenas de histórias daqueles que doaram a vida a uma causa: a velha senhora que tricotou a luvas aos pobres a vida toda, a outra que lutou por causas sociais ou ainda aquela que fez descobertas genéticas importantíssimas. No entanto, é uma grata surpresa poder desfrutar da leitura de perfis brutos e reveladores. Como no caso do chefão da máfia de Chinatown e até mesmo do egocêntrico milionário que construiu dezenas de monumentos e deu seu nome a eles. Todas essas trajetórias acabaram capturadas pela sensibilidade e talento dos melhores jornalistas a serviço do NYT. O livro pode ser entendido como uma sincera homenagem a esses operários da escrita, como Alden Whitman, o “Sr. Má Notícia”, ou Robert McG.
“A obra é um compilado de textos que impressionam pela qualidade em sintetizar em poucos caracteres uma vida inteira, contando histórias de maneira emocionante e mostrando que cada uma dessas vidas foi importante.”
“Os melhores obituários são aqueles que nos falam de pessoas sobre as quais nunca tínhamos ouvido falar antes e nos deixam chateados por não termos tido a chance de conhecê-las.” – Bill McDonald, editor de obituários do Times.
Quando o jornalismo utiliza a morte para falar da vida
No posfácio, Matinas Suzuki dá uma aula sobre a evolução da editoria de cidades e apresenta a magia e técnicas por trás do jornalismo diário, além de dar dicas valiosas e mostrar os bastidores de como essas matérias são produzidas em grandes veículos comunicacionais.
Suzuki também delineia em seu ensaio a história recente do gênero obituário e aproveita para contar sobre uma prática do NYT, cunhada pelo jornalista Alden Whitman: a de entrevistar os perfilados em vida sobre sua morte. Deu tão certo que a prática é mantida até hoje pelo jornal – que já teve mais de 2.000 obituários prontos “na gaveta”, à espera da morte.
Parece uma lógica cruel, mas se trata, em geral, de uma forma de respeitar figuras públicas, garantido que o que será falado sobre elas será justo, preciso e único.
Para saber mais sobre obituários
- Filme Closer – Mike Nichols;
- Livro Um dia, uma vida – Leão Serva.
O LIVRO DAS VIDAS | Matinas Suzuki Jr.
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Denise Bottmann;
Tamanho: 312 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2008.