Quatro cadernos e 62 anotações suplementares. Foi com isso que a primeira versão de Travessia de Verão, romance de Truman Capote descoberto e publicado postumamente, chegou até os leitores. O material foi encontrado em uma dezena de caixas que o escritor havia deixado para trás no apartamento que viveu no Brooklyn, na década de 1950.
Certamente, todos nós devemos agradecer o zelador responsável pelo imóvel, e por dar cabo às coisas que restaram no apartamento, que teve um sexto sentido aflorado e guardou alguns itens que deveriam ter sido jogados fora. Muitos anos depois, Alan U. Schwartz, responsável pelo Truman Capote Literary Trust, detentora dos direitos da obra do escritor, tomou conhecimento da existência destes cadernos, que estavam em posse da Sotheby’s para serem leiloados. Com a ampla divulgação do achado, o preço foi jogado lá em cima, fazendo com que não houvesse interessados – afinal, ainda que fossem adquiridos, não poderiam ser publicados, já que os direitos pertencem ao fundo. No fim, os originais foram adquiridos pela Biblioteca Pública de Nova York e arquivados na coleção Truman Capote.
Iniciado em 1943, quando o autor tinha 19 anos, é visível nas linhas de Travessia de Verão que ele buscava a criação de um estilo próprio, algo que ainda levaria um tempo a ocorrer, e que resultou no romance Outras Vozes, Outros Quartos (1948), que lhe catapultou à fama. É possível enxergar, por exemplo, como Capote treinava sua habilidade de observador da sociedade nova-iorquina.
É possível enxergar, por exemplo, como Capote treinava sua habilidade de observador da sociedade nova-iorquina.
O livro acompanha a história da jovem Grady McNeil, uma espécie de socialite, que é “deixada” sozinha pelos pais durante todo o verão em sua cobertura na Quinta Avenida, enquanto os pais fazem uma viagem transatlântica para a Europa. Sua mãe, Lucy McNeil, cuja preocupação é decidir qual vestido de alta costura parisiense ela irá adquirir para a festa de debutante de Grady, percebe que é uma péssima ideia deixar sua filha jovem e inocente sozinha em Nova York, contudo, a falta de bom senso prevalece e a viagem segue.
Grady tinha uma grande razão para querer estar só: Clyde Manzer. Clyde é o extremo oposto de Grady. Vive no Brooklyn, não é judeu, não é rico, não está acostumado com a alta sociedade e tampouco tem um vocabulário rebuscado. Grady, na realidade, mais parece decidir estar apaixonada do que realmente sentir algo por Clyde, ainda que suas atitudes por vezes digam o contrário – ela ignora que ele esteja com outra mulher, tolera as amizades “brutas” dele, etc.
Travessia de Verão é um romance inteligente e até certo ponto irônico. Mas é perceptível como Grady e Clyde são bastante estereotipados, o que pode ser visto como parte do plano de autor em buscar o ponto ideal para retratar a realidade que via na Nova York dos anos 40. Contudo, é possível, também, afirmar que isto torna seus personagens pouco críveis – a ingenuidade de Grady, por exemplo, é pouco convincente. Ainda assim, é nos detalhes que Truman Capote impede que Clyde e Grady sejam superficiais.
Apesar de não ser uma obra refinada, é possível notar o talento que tornaria Capote um dos grandes prosistas do século 20. Como se trata de sua primeira obra, que veio a ser descoberta 20 anos após sua morte, é um bom início a quem não esteja familiarizado com o autor. Aos demais, é um mergulho, no fim das contas, em Truman Capote em formação.
TRAVESSIA DE VERÃO | Truman Capote
Editora: Alfaguara;
Tradução: Fernanda Abreu;
Tamanho: 141 páginas;
Lançamento: Setembro, 2006.