Em 1945, um senhor inglês chamado Percy Fawcett, junto com seu filho e um amigo, resolveram se enfiar no meio da Amazônia numa missão de exploração que tinha por objetivo encontrar Eldorado, a mítica civilização supostamente localizada no coração da maior floresta tropical do planeta.
Só os três de mochilinha no meio daquela imensidão. A ideia era meio estapafúrdia, mas havia algumas chances de a expedição dar certo, já que Fawcett já havia explorado os confins da Amazônia algumas vezes e, naquela época, ele era certamente a pessoa mais preparada para essa aventura.
Porém, como nem tudo são flores numa floresta cheia de mosquitos, os três nunca mais retornaram e até hoje o paradeiro deles é um mistério.
Os anos se passaram e muitas expedições de resgate foram realizadas e boa parte dos integrantes dessas expedições também desapareceu. Alguns morreram de fome, de doenças ou foram assassinados por índios, outros tantos simplesmente tomaram chá de sumiço e sabe-se lá o que aconteceu.
Z, A Cidade Perdida, lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras com tradução de Claudio Carina, nasceu da curiosidade do jornalista David Grann, que escreve para a New Yorker, a respeito da figura lendária do Coronel Fawcett e o mistério do seu desaparecimento numa aventura que já se tornou icônica, inspirando histórias em quadrinhos, documentários, filmes e personagens famosos, como o Indiana Jones.
Coronel Fawcett vivenciou os piores horrores no meio da floresta, mapeando lugares onde antes nenhum homem branco havia chegado (e saído vivo), voltou para casa na Inglaterra e anos depois decidiu retornar para aquele inferno.
Grann teve acesso a vários documentos e diários de Fawcett e conseguiu levantar uma série de detalhes a seu respeito, como métodos, anseios, buscas por patrocínio, convívio em família, planejamentos, relações problemáticas com os colegas de expedição, etc. O jornalista também refez os passos do aventureiro e viajou para o Brasil em busca de novas repostas.
O resultado disso é uma história inacreditável de uma busca obsessiva que só foi possível graças a uma mistura de coragem exacerbada e falta de tecnologia. Em outras palavras, o cara tinha que ser muito maluco pra se meter numa roubada dessas sem o mínimo de equipamentos (que por acaso não tinham nem sido inventados na época). Ou talvez seja isso que as pessoas chamam de obstinação, vai saber.
O caso é que uma porrada de gente também morreu tentando fazer a mesma coisa. E não foi uma meia dúzia de gente, foram milhares. Só em uma das tentativas realizadas antes de Fawcett, nada menos do que 4 mil pessoas bateram as botas cheias de lama do rio Amazonas. É até meio absurdo pensar que ele quisesse voltar para lá várias vezes, pois ele sabia que aquilo era um inferno verde feito de fome, mosquitos, animais peçonhentos e doenças.
“Na Amazônia, admirou-se Fawcett, o reino animal é contra o homem como em nenhuma outra parte do mundo”. Para se ter uma ideia, certa vez, começaram a nascer pequenas larvas dentro dos machucados infeccionados nos joelhos e nos cotovelos, ele não conseguia tirá-los com nada e então os sentia crescendo e se movimentando dentro dele. Pois é, eu também fiz essa cara de nojo quando li, e olha que tem coisa muito pior ao longo do livro.
Grann faz todo um panorama histórico bem interessante a respeito da relação com os índios, já que Fawcett acabou conhecendo inúmeras tribos ao longo de suas jornadas. O livro apresenta a visão da época das primeiras explorações, partindo daquele olhar estrangeiro que enxergava a Amazônia como um lugar absurdamente exótico, cheio de animais gigantescos e índios comedores de gente, e chegando até uma visão antropológica mais realista e moderna, o que não torna o local menos fantástico e aterrorizante.
Há certa ambiguidade do personagem em sua percepção dos indígenas, pois alguns de seus escritos iniciais apresentavam observações um tanto racistas ou que se alinhavam a um pensamento eugênico, mas, por outro lado, conforme ele foi ganhando experiência, percebe-se um profundo respeito e interesse pela preservação da cultura, tanto que ele condenava qualquer tentativa de colonização das tribos e seu lema era “Morrer se necessário for! Matar Nunca!”, pois tinha plena consciência de ser um invasor. O autor também descreve a relação problemática a partir da aproximação violenta do homem branco, abordando inclusive os massacres e a escravização dos índios durante o início da exploração da borracha.
Coronel Fawcett vivenciou os piores horrores no meio da floresta, mapeando lugares onde antes nenhum homem branco havia chegado (e saído vivo), voltou para casa na Inglaterra e, anos depois, decidiu retornar àquele inferno, pois estava fascinado pela ideia de que existia uma cidade povoada por uma sociedade rica e superdesenvolvida que até então ninguém havia conseguido encontrar. Ele chamou essa cidade de Z e nunca explicou o porquê. O livro de David Grann também não explica, mas sei lá, a última cidade do mundo, a última letra do alfabeto, talvez Sherlock Holmes saiba a resposta.
Falando em Sherlock Holmes, Fawcett também foi uma espécie de Forrest Gump de seu tempo, pois ele foi amigo de Arthur Conan Doyle, pai do famoso personagem; foi rival do ex-presidente Theodore Roosevelt nisso de se enfiar no meio do mato no Brasil, e além das façanhas em florestas tropicais, ele também lutou na Primeira Guerra, onde se deparou com Winston Churchill no front e também vivenciou o pior da experiência humana, uma violência tão profunda e sem sentido que só o fazia querer retornar para a solidão amazônica. Num certo momento de seus diários, ele diz que “canibalismo [praticado por algumas tribos] ao menos é um motivo razoável para matar um homem, que é mais do se pode dizer da guerra civilizada”.
Z, A Cidade Perdida, que foi adaptado este ano para o cinema pelas mãos do excelente cineasta James Gray, é um livro que fala, sem esbarrar em academicismos e sem querer pagar de cultão, sobre antropologia, biologia, botânica, filosofia, geografia e outros ias, mas talvez o mais importante a dizer sobre ele é que é um livro de aventura. Aventura do tipo que nos remete ao que gente via na Sessão da Tarde com Allan Quatermain e a Cidade do Ouro Perdido, Tudo por uma esmeralda ou o próprio Indiana Jones. Trata-se de uma história incrível que aconteceu há várias décadas e que mesmo assim ainda guarda um final dos mais imprevisíveis.
Z, A CIDADE PERDIDA | David Grann
Editora: Companhias das Letras;
Tradução: Claudio Carina;
Tamanho: 424 págs.;
Lançamento: Agosto, 2009.