O que os chineses não comem (Companhia das Letras, 2008, tradução de Ricardo Gouveia), de Xinran, traz crônicas da escritora contemporânea mais famosa daquele país. Xinran se tornou célebre com o romance As boas mulheres da China, inspirado em relatos de vidas de chinesas durante a Revolução Cultural, levada a cabo por Mao Zedung a partir de 1966. A jornalista tinha um programa de rádio em Pequim. Um dia, ao receber a carta de um ouvinte pedindo ajuda a uma jovem em cárcere privado, descobriu que pouco sabia sobre as mulheres na China. Resolveu fazer uma pesquisa, que resultou no seu primeiro romance.
Em algumas crônicas, a escritora fala sobre os resquícios da repressão às chinesas: os tabus sexuais (a proibição da falar sobre a sexualidade, imposta pelo Maoísmo), os altos índices de suicídio femininos no país, a política do filho único preterindo meninas aos meninos, os requisitos para ser uma boa mulher:
“Uma boa mulher, segundo eles, devia: 1) nunca expressar seus pontos de vista em público 2) gerar um menino para a árvore genealógica do marido 3) jamais perder a serenidade, ser sempre delicada e sorrir para os seus homens 4) não queimar a comida nem manchar as roupas 5) ser boa de cama e ter boa aparência.” (página 29)
Xinran é insistente para definir este conceito, que tem um viés de extremo machismo cultivado pela tradição. O alto índice de suicídio entre o sexo feminino, por exemplo, é devido à reputação que uma mulher deve manter.
“O que é um bom nome limpo? Como mencionei em uma coluna anterior, significa que uma mulher deve ser virgem antes do casamento: que jamais deve ser tocada por um homem que não o seu marido; que nunca deve ser vista sozinha com outros homens; e que não deve casar-se de novo, ou estar com outro homem, depois que seu marido morrer. Além disso, muitas chinesas do campo têm um status bastante inferior ao dos homens – inferior, mesmo, ao dos status das grandes ferramentas e das propriedades. Quando os outros não o tratam como um ser humano, é difícil ver a si própria como um. Menos de cem anos atrás, a situação não era muito distinta no Ocidente.” (página 44)
Como ela conta numa crônica, muitas tentam se suicidar não apenas por sofrimento. Também ao comparar a vida que têm com as possibilidades de mulheres mais livres.
Além das mulheres, Xinran aborda as transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na China nos últimos 20 anos. O início da comemoração de festas cristãs, por exemplo, teve que ser discutida com o diretor da rádio em que ela trabalhava. O resultado: censura à menção de quase todos os eventos cristãos.
“A primeira festa que discutimos foi o Natal, que em chinês soa como “Festa – do Ovo – Triunfante”. ‘O que isso significa? Festa do Idiota Vitorioso? Ou simplesmente usar alguns ovos para uma vitória’, perguntou o diretor sênior quando ouviu a palavra. Todos nós rimos. Em chinês, qualquer adjetivo mais a palavra ovo significa idiota.” (página 134)
Além das mulheres, Xinran aborda as transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na China nos últimos 20 anos.
Também compartilha com os leitores a gênese de seus dois romances mais famosos. O enterro celestial se deve a um encontro com uma médica chinesa que emigrou para o Tibete para se casar. Este encontro a levou a viajar ao Tibete e pesquisar sobre as tradições locais
“De dois bolsos internos saíram livros e dinheiro, e de bolsos na manga, algumas pequenas bolsas de pele de carneiro. Da bota direita, ela tirou uma faca, e da esquerda, alguns mapas da China. Enfiou a mão do lado de dentro da cintura da túnica e extraiu dois grandes sacos vazios de couro. Então removeu o comprido cinto de seda no qual estavam pendurados mais saquinhos de couro e ferramentas.” (páginas 89 e 90)
Xinran (Pequim, 1958) é uma jornalista, radialista e escritora chinesa. Trabalhou em Nanquim até 1997, quando mudou-se para Londres sozinha. É a autora do livro O Enterro Celestial (publicado no Brasil em 2004), romance que retrata a ida de uma chinesa em busca do marido desaparecido no Tibete; As Filhas Sem Nome, Mensagem de uma Mãe Chinesa Desconhecida, Testemunhas da China. Em As Boas Mulheres da China, por meio das histórias de várias mulheres que entrevistou ao longo de sua carreira, traça um panorama sobre a condição feminina da China revolucionária, suas consequências e da China atual. Muitas das histórias foram retiradas do programa Palavras na brisa noturna. Atualmente, ela é colunista do jornal The Guardian e professora na Universidade de Londres.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]O QUE OS CHINESES NÃO COMEM | Xinran
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Ricardo Gouveia;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Maio, 2008.
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