Existem duas formas de se sentir sozinho, explica o filósofo romeno Emil Cioran. A primeira é sentir sozinho no mundo e a segunda, talvez a mais drástica, é sentir a solidão do mundo. A conclusão não veio da experiência, mas do seu olhar jovem sobre o todo. Cioran se deu conta da noção de ausência e distância ainda muito jovem: aos 22 anos, escreveu sua obra-prima: Nos cumes do desespero.
Oséias, personagem de O verão tardio, o romance mais recente de Luiz Ruffato, precisou chegar à meia-idade para perceber que o alheamento é parte do manter-se em sociedade. Distante dos irmãos e separado da mulher e do filho, vive uma solidão compulsória, resultado da distância que cultivou ao longo dos anos e da redoma que criou em torno de si. Resoluto quanto à sua condição, o ex-caixeiro-viajante volta à Cataguases – sua cidade natal – para um acerto de contas com o passado e o futuro, porque sabe que o presente já é jogo vencido.
Ruffato faz de Oséias um arquétipo do homem contemporâneo: perdido e invisível no meio de um turbilhão de obrigações morais e éticas. Como na novela Estive em Lisboa e lembrei de você, a cidade mineira é um porto seguro, um muro de arrimo para as mágoas e ressentimentos. É durante os passeios pelas ruas, e nos encontros que tem com amigos da juventude, que Oséias tenta achar uma explicação para todos os descaminhos que tomou. A ex-mulher e o filho, a essa altura um homem feito, jamais pisaram naquelas paragens. É como se não aceitassem a natureza daquele homem, domesticado na selva paulistana.
À medida que o tempo passa, o protagonista afunda na areia movediça da memória. Ele não vive o que vê: está agarrado entre a sobriedade dos tempos passados e a embriaguez da ansiedade pelo que o espera. O único elo real que pode ligar tempo e espaço é Lígia, irmã que se suicidou há muito e cujo fantasma ainda persegue toda a família.
Meursault arrependido
O verão tardio é um convite a mergulhar nas águas profundas da ausência e no abandonar-se.
Oséias é uma espécie de Meursault arrependido. Tornar-se um pária entre os seus é o que o faz chocar-se com as suas ideias e com a imagem que tem de si e dos outros. Rosana, a irmã que venceu na vida, se ergue entre os escombros da vaidade e sustenta um casamento de conveniência. Isinha, em sua pobreza e simplicidade, esconde um arranjo sentimental resoluto. João Lúcio, o irmão rico, afasta tudo que não possa fazer parte do seu mundo de cartas marcadas. Por isso, só Lígia é real e, mesmo morta, permanece viva.
O verão tardio é a conclusão de um universo muito particular criado por Ruffato em Eles eram muitos cavalos. O que rege esse universo é justamente a solidão do mundo, a prisão a céu aberto. Essa é a construção idealista de um mundo nada ideal. É um olhar sobre o cansaço e a transparência, uma tentativa de buscar dignidades na lama.
Oséias é um sujeito quixotesco. O que o move são as causas perdidas, as impossibilidade e tudo aquilo que não pode se mover. O futuro é uma ideia em suspenso, esperando uma resolução mesmo que tardia. No meio de tanto caos emocional, Luiz Ruffato conseguiu fazer do livro um romance sensorial. Sentimos o que os personagens sentem, seja frio, fome, medo ou desconforto.
Se nos contos de A didade dorme a solidão é uma metáfora para abraçar o desconhecido, em O verão tardio é um convite a mergulhar nas águas profundas da ausência e no abandonar-se.
O VERÃO TARDIO | Luiz Ruffato
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 240 págs.;
Lançamento: Abril, 2019.
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