Após um problema num avião, a pista do aeroporto de Fernando de Noronha fica interditada. Pra piorar, o tempo está uma bosta, então ninguém entra e ninguém sai do arquipélago até que o problema da aeronave seja resolvido.
Vários turistas e trabalhadores, como o historiador Tobias, que foi para lá para documentar alguns pontos e sugerir novas rotas de visitação, não poderão voltar tão cedo para casa. Ok, não seria assim tão ruim permanecer mais uns dias num lugar paradisíaco se não fosse por dois detalhes:
1) meu Deus, lá é tudo muito caro;
2) foram encontrados dois corpos em uma das casas, vítimas de arma de fogo.
Esta é a premissa da ótima estreia na ficção do jornalista Carlos Marcelo (autor de Renato Russo – O filho da revolução e finalista do prêmio Jabuti de reportagem com o livro O fole roncou! Uma história do Forró). O autor, nascido em João Pessoa, não tenta reinventar a roda da literatura policial e apresenta uma história que não chega a ser muito complexa, mas que ainda assim toca em temas bem relevantes e se estrutura de forma bastante intrincada, mostrando que o jornalista certamente devorou muitos livros do gênero.
Uma boa sacada de Marcelo é utilizar o conceito de “quarto fechado” (locked-room mystery) de forma mais ampla, utilizando uma ilha inteira como cenário para entupir de suspeitos e desenvolver o mistério. Agatha Christie foi uma das autoras a popularizar esse modelo narrativo em um de seus livros mais famosos, Assassinato no Expresso Oriente (vítima, passageiros, criminoso e investigador isolados dentro de um trem no meio da neve), mas ela própria também já utilizou uma ilha inteira como cenário de vários assassinatos em O Caso dos Dez Negrinhos (relançado posteriormente como E Não Sobrou Nenhum).
Presos no Paraíso, lançado pela editora Planeta, começa com Tobias narrando a treta no avião sob seu ponto de vista e depois vai alternando a cada capítulo com um narrador em terceira pessoa que acompanha os outros personagens, em especial o delegado Nelsão, que será o responsável por investigar o crime sozinho, já que não pode pedir reforços do continente. Fora isso, temos flashbacks que mostram os movimentos dos personagens na ilha antes dos corpos serem encontrados e também em outras circunstâncias antes de irem para lá.
Toda essa mistura de vozes narrativas e de linhas temporais é feita com precisão, de modo que aos poucos vai tornando os personagens tridimensionais e também enfiando minhocas na cabeça do leitor, que começa a desconfiar de todo mundo e a criar várias teorias conspiratórias.
Toda essa mistura de vozes narrativas e de linhas temporais é feita com precisão, de modo que aos poucos vai tornando os personagens tridimensionais.
Este jogo de embaralhar a história e deixar que o leitor vá tentando solucionar o caso por conta própria, conforme vai colhendo novas informações, obviamente, é uma das coisas mais divertidas deste gênero. Há bastante espaço para isso ao longo deste romance, mas nem sempre de maneira convencional, pois durante boa parte do enredo não dá nem pra saber se de fato há algum mistério a ser resolvido e aí resta saber o que cada uma das pessoas estava fazendo na ilha antes de ficarem isolados (tipo Lost, só que sem final cagado). A narrativa bastante fluída e a riqueza de coadjuvantes interessantes tornam a leitura muito prazerosa, de modo que o livro pode ser uma boa porta de entrada para quem não está muito acostumado a ler e ao mesmo tempo pode ser uma leitura viciante pra quem já é rato de sebo.
O autor faz um bom uso da história e das lendas locais. O fato de Fernando de Noronha ter servido de presídio durante muitos anos (tanto no período de fundação (1737), quanto no período da ditadura militar), só faz aumentar o clima tenso e às vezes sombrio, pois, a despeito do título, não tem muito de paraíso na trama elaborado por Carlos Marcelo, o que o autor nos apresenta é uma espécie de lado b do arquipélago. Essa imersão num ponto turístico brasileiro é uma das coisas mais fascinantes do livro, pois ela não ocorre de forma forçada, tipo o Cristo Redentor aparecendo em algum filme que se passa no Rio de Janeiro, então o enredo soa bem crível.
Outro ponto importante é justamente essa ironia de se encontrar preso num lugar ao ar livre (dá pra sentir claustrofobia olhando para um horizonte imenso?), pois ela impõe o tom das prisões interiores enfrentadas pelos personagens já que cada qual tem os seus próprios demônios para lidar. Caberá ao leitor desvendá-los.
Enfim, Presos no Paraíso é um grande livro de estreia. Equilibrado, bem escrito, com personagens legais e o mais importante: é divertido pra caralho.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]PRESOS NO PARAÍSO | Carlos Marcelo
Editora: Planeta de Livros;
Quanto: R$ 29,63 (288 págs);
Lançamento: Maio, 2017.[/box]