Cristovão Tezza tem uma extensa, rica e premiada carreira. Entretanto, invariavelmente é lembrado por O Filho Eterno, obra que, para o bem e para o mal, o persegue. Entre a cruz e a espada, ou entre a continuação de uma literatura ímpar e o fantasma de sua considerada obra-prima, o autor parecia viver dias difíceis.
Se suas crônicas eram deleitáveis, o mesmo não podia se dizer de seus romances (e do livro de contos), ainda que O Professor seja interessante e tenha se saído muito bem nos prêmios literários – finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura de 2015. Somava-se a isso que Tezza, um intelectual por natureza, parecia estar procurando imprimir um pouco disso em seus personagens. Sobressaía um excesso de intelectualidade neles, que os tornava pouco críveis ou excessivamente chatos, quando não caricatos.
Essa sensação de dificuldade de descolar-se de sua magnum opus parece desaparecer em A Tirania do Amor, sua mais recente obra, publicada pela Todavia. Ainda que seu protagonista seja inteligentíssimo, ele não soa pedante e sua genialidade é bastante crível. Tezza tece uma teia em que a matemática é um contraponto para falar sobre o amor, ou melhor, em que ele atua como um antagonista, sempre deixando um duelo entre a racionalidade da matemática versus a imponderabilidade do amor.
A Tirania do Amor acompanha o economista Otavio Espinhosa a partir de uma inusitada iniciativa: ele toma a radical decisão de abdicar do sexo em sua vida. Tão cômico quanto surreal, a decisão se mostra motivada por uma forte crise existencial, movida principalmente pela derrocada de seu casamento, a dificuldade de relacionamento com o filho mais novo, a frustração com sua vida profissional e com não ter conseguido levar adiante o sonho de uma vida acadêmica.
A obra é um discurso sobre o amor de forma complexa, em que o sexo é simplesmente uma metáfora sobre a falência do amor sobre diferentes perspectivas.
A obra é um discurso sobre o amor de forma complexa, em que o sexo é simplesmente uma metáfora sobre a falência do amor sobre diferentes perspectivas, a dificuldade de conexão através deste sentimento tão plural e complicado de ser definido, a tirania de viver preso sob a égide do amor, ou sobre considerá-lo como um porto seguro quando, na realidade, vive-se um paradoxo em que o mesmo sentimento que liberta, aprisiona.
Como virtude, A Tirania do Amor não carrega o excesso de informações que, por vezes, poluía as obras de Cristovão Tezza. Ou seja, seus personagens seguem oferecendo inúmeras camadas, são profundos e, ainda assim, humanamente acessíveis, críveis e identificáveis.
Aqui, Tezza também resgata iniciativa tentada em A Tradutora, porém com sucesso. O contexto político e econômico brasileiro são trazidos à baila, encaixados com sutileza e destreza que faltaram no último romance publicado pela Record. Há um paralelo entre o panorama do Brasil e a vida de Otavio Espinhosa, uma crise latente que desemboca em ruína, capaz de causar a desunião e evidenciar as desilusões da vida, ao passo que coloca em xeque a riqueza e a busca pela completude. Não é exagero dizer que, ao descolar-se de sua inesquecível obra, Tezza chega novamente ao ápice literário.
A TIRANIA DO AMOR | Cristovão Tezza
Editora: Todavia;
Tamanho: 176 págs.;
Lançamento: Abril, 2018.