Já há alguns anos (uns 15, mais ou menos), tenho contato com língua e cultura polonesa. Razão desconhecida. Ao longo deste tempo (ok, nem é tanto), a Polônia sempre me pareceu um país muito peculiar. A epopeia nacional, Pan Tadeusz (O Senhor Tadeusz), escrita pelo outrora já mencionado Adam Mickiewicz e publicada em 1834 começa pela palavra… Lituânia! E foi publicada em Paris. Razões históricas (elas são onipresentes naquela parte do mundo) explicam a Lituânia de que fala o vate e Paris, mas…
Agora o presente. Quatro poetas poloneses (1994, Secretaria de Estado da Cultura do Paraná – as traduções são de Henryk Siewierski e Santiago Naud), antologia que já apareceu por aqui em uma das historinhas do Leste, traz pelo menos dois casos semelhantes. Czesław Miłosz (1911-2004) nasceu em Kėdainiai (palavra muito cheia de vogais para ser polonesa, não é?), naquela época, um lugarejo localizado em terras polonesas. Hoje, é Lituânia. Zbigniew Herbert, por sua vez, nasceu em Lwów. Hoje Lviv (Львів), na Ucrânia. Os outros dois poetas presentes no livro são Tadeusz Różewicz (1921-2014) e a onipresente Wisława Szymborska (atualmente, ela é a autora polonesa mais traduzida para português).
Em comum, o fato de escreverem em polonês. Em comum, todos experienciaram, mais novos ou mais velhos, o inominável horror da Segunda Guerra Mundial. Em comum, o fato de tal experiência ter-se refletido, em algum momento, em sua produção literária. De resto, bem, quanta diferença.
O livro organiza os autores em ordem alfabética e os poemas, em ordem cronológica. Sempre é difícil organizar um livro que tenha a pretensão de, em 135 páginas, apresentar um panorama da produção literária tão variada de quatro nomes de tanto peso (dois prêmios Nobel da literatura, sem nenhum demérito para os outros dois não laureados).
Em comum, o fato de escreverem em polonês. Em comum, todos experienciaram, mais novos ou mais velhos, o inominável horror da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em comum, o fato de tal experiência ter-se refletido, em algum momento, em sua produção literária. De resto, bem, quanta diferença.
Czesław Miłosz escreveu muito, ao longo de sua vida (seus detratores diriam, até mesmo, demais). Na antologia de que falo às ilustres senhoras e aos ilustres senhores, está representado por 9 poemas. O mais antigo, de 1945, chama-se “Prefácio”. Poema belíssimo, do qual destaco uma estrofe:
“Que é a poesia que não salva
Nem a nação nem a gente?
Uma trama de mentiras oficiais,
Uma canção de bêbados cujas gargantas podiam ser
cortadas de repente.
Uma leitura para meninas de colégio.”
Não acusem Miłosz de machismo, por obséquio. Aqueles eram tempos em que se acreditava que meninas no colégio deveriam aprender a cozer (ideia que, é claro, já foi superada por um país progressista como o nosso).
Mais fundamental, aqui, é o poema se chamar “Prefácio” e pôr-se a pergunta sobre a função da poesia que não salva. 1945. O mundo ainda não havia se recuperado dos traumas da guerra (duvido que tenha se recuperado) e salvação não era uma coisa que se aguardava para depois da morte, mas um aqui e agora, a diferença entre viver e morrer. Miłosz viveu na Varsóvia ocupada, viu o Levante do Gueto, viu tudo (e diria que aprendeu bastante coisa…). Aceitemos, portanto, suas dúvidas sobre a função da poesia que não salva. Aceitemos sua desconfiança.
Há outros Miłosz a serem lidos em Quatro poetas poloneses (desde o “místico” que fala da importância de se ler os evangelhos em grego até o grandiloquente pagão que glorifica os rios). Bem, perdoem-me o trocadilho, Miłosz se diz de vários modos. Fun fact sobre o autor: seu pai chegou a morar no Brasil, mas não se sabe nem quando, nem onde, nem o porquê.
Tadeusz Różewicz, informa-nos uma curta nota biográfica, lutou no Exército Clandestino Polonês. Sua poesia é pesadamente marcada pela experiência da guerra e pela ideia de que após a Shoah, o Khrubn, o Porrajmos, havia a necessidade de se recriar a própria língua, era preciso reassumir a tarefa de Adão e dar nome às coisas do mundo, um nome novo, mesmo que fosse igual.
Vejamos, por exemplo, alguns trechos de “No meio da vida”:
“Depois do fim do mundo
depois da morte
me achei no meio da vida
criava a mim mesmo
construía a vida
gente animais paisagens
isto é uma mesa eu dizia
isto é uma mesa
[…]
isto é uma janela eu dizia
isto é uma janela
[…]
esse é um genocida
isto é um homem
isto é uma árvore isto é um pão”
O poema segue com uma lista de coisas que são e de coisas que é preciso fazer (“amar o homem”, por exemplo).
Se há vários Miłosz, também há vários Różewicz – mas a poética deste é muito mais marcada pelos traumas da guerra. Não é uma poesia que dê chance de respirar. A cada linha, devemos esperar, ao menos, um soco no estômago. Se não nos cuidarmos, uma punhalada. Não aparece na antologia, mas há um interessantíssimo poema chamado “O sobrevivente”, cuja leitura recomendo (facilmente encontrável…).
Os outros dois poetas ficam para a segunda parte do texto. Até lá.