Todo ano, o dia 13 de julho tem o poder me aproximar ainda mais do punk rock, o meu gênero favorito entre todos na música. É como se a data me jogasse dentro de uma nave em forma de vinil e me levasse para passear em cada década do estilo, desde que começara no meio dos anos 70.
Há quem diga que o punk rock é uma porta de entrada perfeita para o mundo da música, especialmente para os mais jovens, por ter suas raízes fincadas em vários estilos, que vão desde o jazz até o reggae, até suas marcantes parcerias com o hip-hop. E talvez eu seja uma das provas da teoria.
Ao fim da noite, eu pensava nisso enquanto vasculhava os discos que iria ouvir, como uma espécie de ritual sagrado. Achei ali minha cópia do Smash, o incrível álbum do Offspring que me iniciou no estilo ao final dos anos 90. E aqui eu preciso mencionar o quanto Smash é um disco especial, não só para mim, mas para todo o rumo que o gênero tomou nas últimas décadas.
Lançado em 1994 pela Epitaph como sucessor do Ignition, o álbum logo alcançou a impressionante marca de 16 milhões de cópias vendidas, contra as modestas 16 mil de seu antecessor, se tornando o álbum independente mais vendido da história. A marca já sobrevive por mais de 20 anos com o quarteto da California, que também figurou entre os 6 maiores de rock moderno pela Billboard na época. E vale lembrar que tudo isso aconteceu num período em que a internet ainda não era um aliado dos artistas.
Enquanto Ignition não tinha o mínimo suficiente para levar a banda para as rádios, conforme Dexter Holland afirmou para a Flux, Smash sem dúvida alguma foi o start que eles (e todo o movimento do punk e hardcore dos anos 90) precisavam para inserir a corrente no mainstream.
A partir daí, foi só alegria: Offspring assinou com a Columbia Records e outras bandas como Green Day e blink-182 vinham conquistando espaço. Na carona, até gigantes como NOFX e Bad Religion vinham junto, dividindo o selo da Epitaph, uma gigante de um mini-estúdio que começava a bater de frente com as gigantes da indústria fonográfica.
Na carona, até gigantes como NOFX e Bad Religion vinham junto, dividindo o selo da Epitaph, uma gigante de um mini-estúdio que começava a bater de frente com as gigantes da indústria fonográfica.
Naquele momento, a imprensa começava a tentar tirar do punk a imagem de subversivo e que sobrevivia no underground e nos pubs fedidos, escondidos em becos, para mostrar uma geração que começava a vender mais discos que grupos pop.
Ela passou a se interessar mais por jovens com atitude rebelde para estampar suas fotos em capas de revistas e aí começou uma relação ambígua entre o gênero e a indústria mainstream.
Em 2012, Fat Mike, frontman do NOFX, declarou para a Fast and Louder o quanto estava de saco cheio de sempre ter de responder àqueles jornalistas o que ele achava sobre a ascensão daquelas bandas. Fat Mike também afirmava que aquilo não era a preocupação com a cena e sim uma forma de conseguir material para vender revistas e coletâneas para os jovens, geralmente deturpando ou conduzindo a resposta dos músicos para pura propaganda.
A relação entre a mídia e o punk rock passou a ser de amor e ódio, por ambas as partes. Pela primeira vez um gênero musical passou a fazer a grande mídia ditadora da moda comer na sua mão.
O punk e sua cena cresciam na California e se espalhavam como um vírus. E a imprensa, que antes ditava ao público o que deveria (e como deveria) ser ouvido, tentava acompanhar o movimento tropeçando nas próprias pernas. Se por um lado ela sabia que usar as bandas ajudava a vender revistas, era difícil aceitar que elas vendiam discos por conta própria.
Aquele cenário mexia com o ego da grande tribuna, porque elas se sentiam na obrigação de colocar nas telas e nas rádios as bandas que questionavam o papel delas com o público. E Smash foi um dos trabalhos fundamentais nesse caminho, mesmo com seu encarte simples e com desenhos totalmente amadores, porque fez um selo independente conquistar discos de ouro e de platina.
Quanto ao álbum, é difícil ser só técnico e não deixar, muitas vezes, a emoção narrar o material. Composto por 14 faixas rápidas e cheias de energia, Smash levou o Offspring para as principais rádios norte-americanas e seus primeiros clipes para o prime time da MTV. E aquilo impressionava todo mundo.
Para quem cresceu ouvindo, o álbum foi um daqueles que dava vontade de ouvir a cada minuto e apresentar para os amigos da escola, que mais para a frente entrariam na pilha de pegar um instrumento e formar a banda. Smash se auto-intitulou como a impressão digital do quarteto de Hutington Beach no mundo da música.
A introdução bem-humorada de alguns segundos na primeira faixa conectando-se direto à pedrada “Nitro (Youth Energy)” foram elementos transportados até mesmo para os trabalhos seguintes.
Na sequência, faixas como as icônicas “Gotta Get Away”, “Come Out and Play” e “Self Esteem” dão tônica ao disco com pegadas que transitam entre o bom humor e as letras inteligentes, com batidas cada vez mais rápidas, como a da apaixonante “Bad Habit”, que eternizou o “Stupid dumbshit goddamn motherfucker” como uma espécie de hino para os fãs.
Aquilo para uma criança de 6 ou 7 anos, aquela energia toda, era cativante, pois representava não só uma libertação do que rolava em excesso nas rádios, como também parecia extremamente fácil de aceitar e curtir, mesmo com aquele peso envolvido.
Hoje em dia, talvez Offspring nem simbolize mais uma das maiores potências daquela cena que cresceu sendo ela mesma e fazendo por conta própria o seu som e sua divulgação. Mas é impossível hoje olhar para toda a história de um álbum que foi o divisor de águas entre o ostracismo e a corrente que serviu para presentear as gerações seguintes com outras bandas.
Celebrar minha banda e meu estilo favoritos com a história por trás do disco foi uma das maneiras mais incríveis que tive de representar meu lado rocker anteontem. E com tudo que esse álbum significou para a última grande corrente dos riffs rápidos e dos bate-cabeças em shows, desde os pequenos bares aos estádios, eu quero apenas que meus filhos tenham o mesmo prazer de ouvir Smash por horas e horas no meio da sala como eu tive ao longo desses anos.
Que mais 40 anos venham para comemorar a marca de álbum independente mais vendido da história. E que venham mais bandas boas como eles na fúria de reivindicar este título.
E olha que agora elas pelo menos têm a internet do seu lado…
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