Existem pequenos instantes que se piscarmos os olhos perderemos a história sendo feita. Provavelmente a frase anterior soe um tanto exagerada se você não estiver com os ouvidos colados na música contemporânea que escapa às rádios – e, para soar mais atual, aos serviços de streaming musical. Acontece que aqui, neste contexto da banda Aminoácido, o descomedimento é a única forma de traduzir o que se passa em Sem Açúcar, segundo registro do agora quinteto, lançado no início deste mês.
Ao longo de um ano, muita coisa aconteceu para o grupo, com destaque para a oportunidade de tocarem na última edição do Psicodália, fazendo o primeiro grande show do novo álbum. Serem músicos com certa experiência em suas outras bandas já fornecia aos músicos uma espécie de alívio, mas a bagagem adquirida também lhes deu uma liberdade criativa que se vê (e ouve) claramente em Sem Açúcar.
O mais notável é identificar os pontos em que o quinteto identificou que pequenas lapidações seriam necessárias, e o fez com qualidade e requinte, sem distorcer sua personalidade musical. Em contrapartida a Meticuloso (2017), Sem Açúcar é uma viagem sonora mais madura, sem verborragias ou virtuoses despropositadas. O encontro da psicodelia, do jazz, do funk, do samba e da MPB, segue marcando presença, enquanto o grupo traz elementos sóbrios da música experimental, em especial aqueles detalhes que denotam um claro direcionamento estético do disco, sem com isso perder a liberdade criativa, a irreverência e a organicidade, buscadas principalmente nos ensinamentos de Coltrane e seu free jazz.
Em contrapartida a Meticuloso (2017), Sem Açúcar é uma viagem sonora mais madura, sem verborragias ou virtuoses despropositadas.
Essa transitoriedade do grupo é tanto uma marca registrada quanto uma necessidade inventiva. Apresenta, de maneira bem clara ao longo das nove faixas que compõem o álbum, um experimentalismo e uma alternatividade características de quem faz música porque precisa e gosta, algo que aqui transborda muito mais nitidamente que em Meticuloso.
Outro elemento bastante evidente nas nove novas faixas apresentadas ao público é a possibilidade mais clara de que elas sejam decifradas. Não por outra coisa, existe um diálogo sutil com a música alternativa feita no início dos anos 2000 por grupos como os campineiros do Instiga, por exemplo – a primeira banda independente com canções em português a tocar na respeitadíssima rádio Woxy. De maneira semelhante, ambos os grupos se destacam pela independência artística e conceitual, ou como dizia uma pessoa do público no Psicodália deste ano, a banda “chupa uma droga forte, hein!”.
Brincadeiras à parte, o certo é que Sem Açúcar é a cara de artistas sedentos por encontrar formas de expurgar os pensamentos mais recônditos, dando vazão às ideias e criando pequenas resistências artísticas, pílulas diárias de encontro com o que nem sabíamos que existia em nós. Um disco que, realmente, não precisa de açúcar.