Admito que a esta altura do campeonato, não esperava ser surpreendido por The Car, sétimo album dos ingleses do Arctic Monkeys. O indie rock parece sonolento na última década, ainda que trabalhos pontuais tenham dado respiro a essa vertente do gênero.
No caso específico da banda liderada por Alex Turner, havia a sensação de que seu auge tivesse passado após AM (2013), até porque é um cenário pouco provável de repetir a dose do que foi feito com “Do I Wanna Know?”, executada cerca de 1,5 bilhão de vezes no Spotify.
No ano seguinte, quando subiu ao palco para receber o prêmio de Álbum do Ano no Brit Awards, Turner fez um discurso que hoje soa datado. O músico enaltecia o poder do rock n’ roll em sempre ressurgir, soando melhor do que nunca.
No entanto, cinco anos depois, o Arctic Monkeys publicou Tranquility Base Hotel & Casino (2018), que trilhava um sentido totalmente contrário ao álbum anterior. Ia na contramão do próprio discurso de Turner, sendo mais calmo, melancólico e com guitarras quase imperceptíveis. Não à toa, há quem deteste o registro.
Apesar da dinâmica muito semelhante, The Car é mais caloroso que o disco anterior, mesmo que transpareça mais melancólico.
Eis que chegamos a 2022, e Turner nos apresenta The Car, uma obra que poderia, tranquilamente, ser um trabalho solo do músico. Novamente, Alex se aparta do Arctic Monkeys e centra em sua figura o norte para gestar as canções.
Todavia, se em Tranquility Base Hotel & Casino o resultado não foi dos melhores, em The Car as ideias de Turner parecem mais claras, mesmo que ele não esconda um certo tom enigmático em suas composições.
É curioso conceber o processo criativo de Turner, que longe da banda escreve, toca e grava a maior parte dos instrumentos, reservando a presença dos demais integrantes apenas à parte final do processo criativo. Apesar da dinâmica muito semelhante, The Car é mais caloroso que o disco anterior, mesmo que transpareça mais melancólico.
Colocando em perspectiva o trabalho do grupo inglês, é importante imaginar que a banda que gravou AM “acabou”, mesmo que não literalmente. Essa pequena morte metafórica nos foi apresentada em 2018, quando a banda (na pessoa de Turner) se afasta do que foi sua gênese e experimenta outras possibilidades – sem, no entanto, fazer experimentalismos.
The Car, mais do que Tranquility Base, fala de amor, saudades e incertezas, e expõe um artista menos envaidecido do que o que subiu ao Brit Awards para ser coroado em 2014.
No novo disco, os Arctic Monkeys soam furtivos (“Jet Skis on the Moat”), tecem críticas ao show business cruzando metáforas com relacionamentos desgastados (“Big Ideas”) e até se imaginam em produções cinematográficas (“The Ballad of What Could Have Been”).
Mas é possível enxergar (ou ouvir) os melhores momentos de The Car quando a banda mergulha no rock, seja nas referências ao britpop dos anos 1960 ou no flerte com o glam rock em “Body Paint”, ou na faixa-título, provavelmente a melhor canção do disco.
Muita coisa separa a banda de AM para o novo álbum, em especial uma certa desconstrução do papel de superstar que quiseram se autoimpor. Não dá, obviamente, para cravar nada sobre o futuro do grupo, mas ele certamente passa mais e mais pelas experimentações de Alex Turner. Resta saber quanto tempo mais ele vai desejar experimentar com os Arctic Monkeys.
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