Na semana passada, falamos sobre o início da carreira de D’Angelo, desde a sua infância até o lançamento dos dois primeiros discos, Brown Sugar (1995) e Voodoo (2000). Terminamos o texto anterior (leia aqui) falando sobre o sucesso do single “Untitled (How Does It Feel)” e a exposição do cantor como símbolo sexual, ao aparecer seminu no videoclipe desta música do álbum Voodoo (veja aqui). Vale ressaltar que este videoclipe recebeu três indicações ao Video Music Awards daquele ano, nas categorias Melhor Clipe do Ano (vencido pelo Eminem), Melhor Clipe Masculino (também vencido pelo Eminem) e Melhor Clipe de R&B (vencido pelo grupo feminino Destiny’s Child).
Em turnê pelo Voodoo, pessoas próximas ao cantor puderam acompanhar como o sucesso deste videoclipe não foi positivo para a imagem de D’Angelo enquanto músico. O competente artista, dono de uma voz invejável e letras que possuíam caráter (também) contestatório, era reconhecido tão somente por aquele vídeoclipe. Seguiu-se a isso uma série de infortúnios, como o suicídio de um amigo íntimo (Fred Jordan), problemas com drogas e consumo excessivo de bebidas alcoolicas. Nos anos subsequentes, D’Angelo rompeu com a namorada, viu o contrato para o disco novo ser rescindido e parte da família deixar de apoiar as suas decisões.
Em 2005, o cantor foi preso por conta de porte de drogas, e envolveu-se em um acidente de carro que quase lhe custou a vida. Neste mesmo ano, internou-se em uma clínica de reabilitação, desta vez em razão do consumo de bebidas alcoolicas.
Nos anos seguintes, D’Angelo não gravou o seu álbum solo como era esperado, mas colaborou com a gravação de vários discos de artistas de hip-hop, como Snoop Dogg, Q-Tip, J Dilla. Somente em 2012 é que o cantor reapareceu em turnê mundial pela Europa, cantando sucessos dos dois primeiros álbuns e apresentando quatro novas músicas, que sairiam no próximo disco solo do cantor. Para quando?
A ideia original era que o disco, enfim, fosse lançado no primeiro semestre de 2015. Porém, no apagar das luzes de 2014, a surpresa: o lançamento de Black Messiah. Quinze de Dezembro de 2014. Portanto, catorze anos após Voodoo, o mundo da música era agraciado com um novo disco de D’Angelo. A antecipação do lançamento do disco ocorreu por vontade do próprio cantor, em razão dos acontecimentos ocorridos em fins de 2014 nos Estados Unidos, envolvendo mortes de jovens negros por repressão policial injustificada. D’Angelo acreditava que a sua música era a forma mais genuína possível de protesto e, por conta deste zeitgeist, Black Messiah foi lançado.
Além de possuir este caráter contestatório, o disco é magnífico. Nem parece haver quase quinze anos entre Voodoo e ele, tamanha a qualidade sonora e fusão de ritmos como o jazz, R&B, soul e hip-hop. A banda The Vanguard que acompanha D’Angelo, traz uma maior variação e competência analógica para o disco, que nem por isso deixa de contar com outros efeitos sonoros e samplers. Ele voltou com a voz impecável (ouçam a música “Another Life” para comprovar), tanto na gravação em estúdio quanto em registros ao vivo que sucederam o lançamento do disco. E Black Messiah teve excelente repercussão no meio musical, tanto da crítica, público e de seus pares, os artistas.
“Além de possuir este caráter contestatório, o disco é magnífico. Nem parece haver quase quinze anos entre Voodoo e ele.”
Cuidado, Black Messiah contém altas doses de groove. As músicas “Till It’s Done”, “Betray My Heart”, e “The Charade” são provas da excelente levada do disco. Temos um jazzy em “Sugah Daddy”, uma levada romântica / hispânica em “Really Love”, hip-hop apocalíptico em “1000 Deaths” e realista em “Back To The Future”. “Ain’t That Easy”, a música intro do disco, começa meio indie, mas aos poucos vai tomando um caminho soul e é uma das pérolas de Black Messiah.
Enfim, D’Angelo voltou. Para a alegria daqueles que apreciam a boa música, eis o cantor em ótima forma, compondo excelentes canções e apresentando-as ao vivo com a mesma qualidade. O desejo deste que vos escreve é que D’Angelo não demore os mesmos quinze anos para gravar outro disco. Dar um prazo de cinco anos para o artista produzir outro excelente disco. Será?
Cenas dos próximos capítulos!