Junho de 2015, Junho de 1962. O que essas datas têm em comum? Para alguém pode significar algo, mas para este articulista que vos digita elas não fazem o menor sentido. As datas em questão são simbólicas, e são utilizadas aqui para registrar uma hipótese ficcional: uma pessoa entra numa loja de discos para escolher um vinil, em 1962. Qual ela escolhe? São muitas as opções e artistas. Escolherá ela os medalhões de sempre? Ou um novato? E lá está a pessoa, a escolher uma nova aquisição pela prateleira da soul music. Sam Cooke tem uma linda voz, mas não tem disco novo. De repente, eis que a mão escorrega por um vinil de capa toda vermelha, em que o artista parece imitar passos de dança:
E a pessoa decide levar aquele ali, de repente é bom. E gosta de Coming Home pacas, porque é a pura expressão da Motown anos 1960, com tudo o que a soul music portava de estética artística. Como explicaríamos para esta pessoa, que adentrou uma loja de discos em junho de 1962, que o disco foi lançado em junho de 2015? Ela acreditaria? Diria que é um devaneio de alguém que esteve no futuro e voltou? Esquizofrenia? Mas, é verdade… o disco foi lançado em junho de 2015, ainda que pareça muito mais um lançamento de 1962.
Leon Bridges, garoto de uma pequena cidade do estado do Texas, sempre admirou os artistas da soul music. Queria ser um quando fosse “gente grande”, e para tanto seguiu uma vida de muitos esforços: ainda pequeno, ajudava a família lavando pratos. Quando conseguiu juntar algum dinheiro, comprou a sua primeira guitarra. Cresceu indivíduo de cidade pequena, trabalhando e frequentando a igreja. Quando era possível, tomava a guitarra e partia para algum dos bares da cidade e lá apresentava suas composições.
“Como explicaríamos para esta pessoa, que adentrou uma loja de discos em junho de 1962, que o disco foi lançado em junho de 2015? Ela acreditaria?”
Num desses bares esquecidos de Fort Worth, havia também um produtor musical. Ele ouviu a melodiosa voz do rapaz com a guitarra e decidiu apostar nele. Levou-o para a gravadora, e lá o rapaz conseguiu provar que era uma boa aposta, igual a pessoa que entrou na loja de discos em junho de 1962 e comprou o disco dele. E assim o álbum saiu, em junho de 2015. E assim o CD de Leon Bridges ganhou boa repercussão, em junho de 2015 e de 1962.
Como assim? Que anacronismo é esse? O disco foi lançado em junho de 1962 ou de 2015? Na realidade, o disco flui bem, seja em 1962 ou 2015. Leon Bridges, hoje, consegue resgatar o que havia de melhor na soul music da década de 1960. Toda a ambientação, uma certa “inocência” das letras de amor, a poética envolvida, o formato vintage de gravação… tudo remete à década de 1960, aos primórdios daquela soul music que iniciava a sua trajetória em paralelo com a gravadora Motown, que revelou artistas tão competentes e geniais quanto Marvin Gaye, Stevie Wonder, Aretha Franklin e Etta James.
Portanto, Leon Bridges consegue resgatar o que há de melhor na soul music, sem soar como mero pastiche dela. Ao contrário, Coming Home soa universal e atemporal, sem ser uma imitação daquilo que já foi. É o disco de estreia deste rapaz que olha para trás e vê mais sentido e poesia em tudo aquilo do que hoje.
Este rapaz chama-se Leon Bridges, e gravou um excelente disco de estreia em junho de 2015. Ou seria junho de 1962?