Há um certo silêncio que paira entre as faixas de Early Twenties, o álbum de estreia da britânica Cat Burns, atração do próximo C6 Fest. Não um silêncio literal — há arranjos de cordas, camadas vocais em falsete, harmonias que acenam ao gospel —, mas aquele tipo de silêncio que permanece depois que alguém confidencia algo que talvez não devesse ter dito. Uma espécie de tremor contido. Ou um abraço que não chegou a ser retribuído. É ali que a música de Cat Burns opera: no espaço tenso entre o desejo de se mostrar ao mundo e o medo do que isso pode custar.
Nascida em Streatham, no sul de Londres — bairro também natal de Dave, o rapper, e parte de um sul multicultural e musicalmente fértil —, Cat Burns cresceu ouvindo música gospel e R&B contemporâneo, filtrando esses sons através de uma lente millennial queer, negra e neurodivergente. Aos 24 anos, Cat não apenas escreve canções; ela edifica pequenos monumentos à insegurança, à exaustão emocional, à necessidade de agradar, ao desejo de ser livre — e o faz com uma franqueza que lembra o auge da Adele.
Mas se Adele canta como quem transforma dor em poder, Cat canta como quem escreve cartas que talvez jamais envie. Seu tom é confessional, mas sem o teatro. Sua voz é doce e vacilante, com a mesma honestidade desconfortável de um áudio enviado às 2 da manhã para alguém que já não responde mais.
Impulsão a partir do TikTok
Seu hit “Go”, lançado em 2020 e redescoberto como viral no TikTok em 2022, tornou-se um fenômeno estranho: uma canção sobre abandono que foi acolhida como um abraço coletivo. Subiu até o segundo lugar nas paradas do Reino Unido, provando que a fragilidade também pode ter apelo popular.
Tudo na cantora gira em torno da letra, da voz, do sentimento.
Desde então, Cat Burns tem sido uma espécie de terapeuta acidental da geração Z. Em “People Pleaser” (de Early Twenties), ela desabafa sobre o fardo de querer ser amada por todos. Em “Low Self Esteem” (do mesmo disco), ela enumera, sem floreios, as pequenas derrotas da autoestima.
E em “Jodie”, ela transforma sua relação com a namorada em uma canção de amor que é também manifesto de visibilidade queer — tudo isso embalado por melodias limpas, delicadas, com acordes suaves que sugerem uma intimidade caseira. Não à toa, seu primeiro EP, Adolescent (2016), foi gravado no estúdio improvisado do quintal de um amigo, aos 16 anos, enquanto ainda uma mera estudante da BRIT School.
Uma vida em constante amadurecimento
É também impossível dissociar Cat Burns de sua condição neurodivergente: diagnosticada com autismo e TDAH, ela fala abertamente sobre como isso molda sua forma de interagir com o mundo e com a música. Em vez de explorar o artifício da performance pop, ela parece sempre cantar de dentro — como se falasse diretamente do próprio quarto, com as cortinas semiabertas, como uma Florence Welch sem o drama vitoriano.
Early Twenties, seu primeiro álbum cheio, lançado em 2024, é como folhear um diário em voz alta. A produção, assinada por nomes que orbitam o novo soul britânico, é discreta, quase invisível. Tudo gira em torno da letra, da voz, do sentimento — às vezes de forma até austera, como se os arranjos tivessem medo de interromper.
Há quem ache o disco “anêmico”, como sugeriu Tara Joshi em sua crítica para o The Guardian, mas a verdade é que ele soa como o que é: uma jovem tentando nomear a confusão entre crescer e viver, entre ser e agradar. Em tempos de cinismo algorítmico, Cat Burns soa como alguém que ainda não aprendeu a mentir. E talvez seja isso que a torne tão interessante.
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O C6 Fest de 2025 acontece entre os dias 22 e 25 de março, no Parque Ibirapuera. Com Air, The Pretenders e Wilco liderando o festival, nomes como Amaro Freitas, Nile Rodgers, Gossip e Mulatu Astatke também subirão aos palcos. A Escotilha estará na cobertura e, nos próximos dias, apresentará os artistas, dando um panorama do que o público brasileiro deve esperar dos shows.
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