Há algo de gloriosamente anacrônico na música da Peter Cat Recording Co., uma banda indiana que soa como se tivesse emergido de um cabaré berlinense da década de 1920, atravessado o Atlântico num navio de imigrantes romenos e parado para um drink com os fantasmas de Scott Walker e Serge Gainsbourg antes de pousar em Nova Délhi.
Com passagem marcada para o C6 Fest de 2025, a banda fundada em 2009 por Suryakant Sawhney, cantor e cineasta frustrado que decidiu fazer da melancolia um espetáculo, o grupo tem sido uma incógnita sonora difícil de rotular — e por isso mesmo, viciante.
A banda, que inclui Karan Singh (bateria), Kartik Sundareshan Pillai (teclados, guitarra, eletrônicos e trompete), Dhruv Bhola (baixo e samples) e Rohit Gupta (teclados e trompete), rejeita de forma quase militante os contornos estilísticos previsíveis da música pop global. Eles flutuam entre o jazz de salão decadente, o gypsy punk, o rock psicodélico, o indie pop e os ecos da música clássica indiana – tudo isso com um quê de desleixo encantador que lembra uma trilha sonora perdida de um filme de Wes Anderson.
O nascimento de um cinema sonoro
Antes de ser o frontman do Peter Cat, Sawhney era o alter ego por trás de Lifafa, seu projeto solo eletrônico — mais introspectivo, mas ainda assim transbordando os mesmos ecos cinematográficos que permeiam sua obra principal. Com a Peter Cat, porém, o escopo se alargou. Como uma orquestra errante de uma Índia paralela, a banda começou a lançar gravações caseiras no início da década passada, culminando no esquisito e encantador Sinema (2011), seu primeiro álbum.
A banda é, antes de tudo, uma reflexão crítica sobre a Índia urbana contemporânea, mergulhada em contradições culturais.
Mas foi com Bismillah (2019), lançado internacionalmente pelo selo francês Panache, que a banda se instalou no radar global. Gravado majoritariamente de forma independente, o disco é uma tapeçaria sonora que abarca tanto hinos de desespero suave quanto explosões de alegria existencial. Há algo de Devendra Banhart, algo de Beirut, e algo de um casamento indiano interrompido por um delírio beatnik. Bismillah não apenas consolidou a sonoridade do grupo, mas mostrou a ambição e expansividade completamente impossível de rotular dos indianos.
Mas seria um erro imaginar que o fascínio da Peter Cat Recording Co. reside apenas no exotismo de sua origem. A banda é, antes de tudo, uma reflexão crítica sobre a Índia urbana contemporânea, mergulhada em contradições culturais. Sawhney frequentemente explora temas como deslocamento, identidade pós-colonial e a gentrificação de Délhi com uma ironia hiper afiada.
BETA बेटा: o futuro visto do passado
O grupo chega ao C6 Fest com seu oitavo álbum de estúdio na bagagem. BETA बेटा foi lançado em agosto de 2024, trazendo em suas composições “uma coletânea de histórias sobre o futuro, contadas 50 anos atrás, para dar sentido ao presente em nosso único lar, o planeta Terra” – uma descrição ambiciosa dada pelos próprios músicos no release de divulgação do LP.
Gravado durante uma fase de hiperatividade criativa, o disco é ainda mais cinematográfico, com orquestrações mais densas e uma paleta de referências que vai de Ennio Morricone a Burial, passando por Bollywood setentista e soul iraniano. A chegada do registro foi acompanhada de uma extensa turnê mundial, que só até dezembro de 2024 já contava com 77 apresentações pela América do Norte, Europa e Índia – um feito raro para uma banda indiana de idioma híbrido (muitas canções alternam entre inglês e hindi).
O grupo desafia a exotização constante à qual artistas não-ocidentais são submetidos, sem se esconder sob o véu da “universalidade branca”. Ao contrário: a Peter Cat constrói pontes, mas nunca apaga as margens. Um show único para ser visto este mês em São Paulo, quando o Ibirapuera se tornará um pedaço da Índia.
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O C6 Fest de 2025 acontece entre os dias 22 e 25 de março, no Parque Ibirapuera. Com Air, The Pretenders e Wilco liderando o festival, nomes como Amaro Freitas, Nile Rodgers, Gossip e Mulatu Astatke também subirão aos palcos. A Escotilha estará na cobertura e, nos próximos dias, apresentará os artistas, dando um panorama do que o público brasileiro deve esperar dos shows.
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