Em um cenário musical em que a autenticidade muitas vezes se perde em meio às tendências passageiras, os Pretenders permanecem como um bastião de integridade artística. Desde sua formação em 1978, a banda, liderada pela inconfundível Chrissie Hynde, tem trilhado um caminho singular, mesclando rock, punk e new wave com uma sensibilidade única. Agora, voltam ao Brasil para apresentar seus hits no próximo C6 Fest.
Hynde, natural de Akron, Ohio, mudou-se para Londres em 1973, imersa na efervescente cena punk britânica. Após experiências com bandas como Masters of the Backside e Moors Murderers, ela finalmente encontrou os parceiros ideais: o baixista Pete Farndon, o guitarrista James Honeyman-Scott e o baterista Martin Chambers. Assim nasceu o Pretenders, nome inspirado na canção “The Great Pretender” dos Platters.
Durante décadas, liderando o Pretenders com um misto de contenção elegante e fúria súbita, Chrissie Hynde parece ter habitado uma encruzilhada improvável: entre a ternura e a violência, o romantismo e o desencanto, o underground e o mainstream. Com tantos modismos passageiros por aí, sua música — e sua postura — sempre pareceram estranhamente fora do tempo. Ainda bem.
Cravada nas entranhas do punk
A história da banda é muitas vezes contada como um drama de sobrevivência, e com razão. Formado em Londres, em 1978, o Pretenders surgiu no calor da cena punk, com Chrissie orbitando as bandas mais perigosas e interessantes da cidade.
Ela trabalhou na Sex, loja de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren, tentou entrar nos Sex Pistols, escreveu para a NME, e flertou com o colapso mais de uma vez antes de, finalmente, formar sua própria banda — com músicos britânicos escolhidos a dedo.
O que se ouve no primeiro álbum da banda, Pretenders (1980), é um tipo de urgência que parece até hoje impossível de reproduzir. “Precious”, faixa de abertura, é uma ameaça urbana travestida de canção pop. “Brass in Pocket” transformou Chrissie na primeira mulher a atingir o topo das paradas britânicas com uma composição própria. A imprensa a saudou como um antídoto para o cinismo do pós-punk: uma compositora de mão cheia, com presença e atitude suficientes para liderar qualquer palco, sem jamais se vender à caricatura da “mulher forte do rock” que a indústria tanto adora empacotar.
O luto como estética: uma metamorfose contínua
Mas o preço foi alto. Entre 1982 e 1983, Hynde perdeu dois membros fundadores da banda: Honeyman-Scott morreu de overdose aos 25 anos; Farndon foi demitido devido ao vício em heroína e morreu meses depois, afogado na banheira. Era o fim de uma formação que, por um breve instante, parecia imbatível. Era também o começo da longa travessia que marcaria os anos seguintes do Pretenders — uma banda que se tornaria, cada vez mais, a extensão emocional e estética de sua líder.
Desde então, os integrantes do grupo foram muitos — e todos orbitando Hynde. O som variou: do pop radiofônico de “Don’t Get Me Wrong” (Get Closer, 1986) ao rock confessional de Alone (2016), passando pelo inesperado tom político do subestimado Break Up the Concrete (2008).
Mas o fio condutor nunca se rompeu. O que se mantém, em cada disco, é a voz de Chrissie: uma voz que não suplica nem implora, apenas afirma — com orgulho ferido, cansaço elegante ou desprezo controlado — que o amor pode ser uma guerra justa, mas é sempre uma guerra.
O silêncio após o estrondo
Em Relentless (2023), lançado já com Hynde aos 72 anos, essa persistência atinge um novo nível. O título não é gratuito: a música do Pretenders soa mais serena, mas a fúria que a move nunca foi tão clara. Com colaboração do guitarrista James Walbourne (parceiro da fase mais recente da banda) e arranjos orquestrais de Jonny Greenwood, do Radiohead, o disco é ao mesmo tempo sóbrio e cortante.
Chrissie Hynde parece ter habitado uma encruzilhada improvável: entre a ternura e a violência, o romantismo e o desencanto, o underground e o mainstream.
“Let the Sun Come In”, faixa de abertura, mistura psicodelia tardia e pop sessentista com a melancolia de quem sabe que as respostas já não importam mais. Hynde soa mais livre do que nunca — talvez porque, enfim, não tenha mais nada a provar.
Hoje, os Pretenders não são uma banda nostálgica. São, antes, uma ideia: a de que o rock pode ser, ainda, um instrumento de expressão pessoal radical. Não no sentido do choque ou da novidade, mas da resistência íntima. Hynde canta como quem resiste a um mundo que queria torná-la caricatura, musa, mártir — e que, sem conseguir, se contentou em vê-la seguir adiante, disco após disco, contra todas as probabilidades. E é isso, afinal, o que torna os Pretenders tão únicos: a constatação de que viver, criar e continuar — apesar de tudo — é um gesto de insubordinação.
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O C6 Fest de 2025 acontece entre os dias 22 e 25 de março, no Parque Ibirapuera. Com Air, The Pretenders e Wilco liderando o festival, nomes como Amaro Freitas, Nile Rodgers, Gossip e Mulatu Astatke também subirão aos palcos. A Escotilha estará na cobertura e, nos próximos dias, apresentará os artistas, dando um panorama do que o público brasileiro deve esperar dos shows.
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