Poucos segundos após o primeiro acorde de “UNO” — uma das faixas mais emblemáticas do SuperJazzClub, que se apresenta no C6 Fest no domingo — fica claro que não estamos diante de um grupo comum. Há algo de infinitamente moderno e, ao mesmo tempo, profundamente ancestral em sua sonoridade. Um groove que parece ter atravessado a diáspora africana inteira para pousar, reinventado, nas ruas de Acra.
Fundado em 2018, o SuperJazzClub é menos uma banda e mais uma ideia em constante mutação. Seus integrantes — BiQo, Øbed, Seyyoh, Tano Jackson, Joey Turks e Ansah Live — rejeitam os rótulos convencionais. Músicos, cineastas, fotógrafos, designers e DJs, todos colaboram como peças de um ecossistema criativo que foge deliberadamente da lógica vertical da indústria musical. Uma forma de extensão uns dos outros.
De Gana para o mundo via Reino Unido
Eles surgiram em uma Acra onde a efervescência criativa crescia junto com o apetite global por música africana. Mas se a maioria dos holofotes estava voltada ao afrobeats nigeriano ou ao amapiano sul-africano, o SuperJazzClub escolheu outra trilha: a da introspecção sonora e da multiplicidade estética. Seu primeiro single, “Couple Black Kids” (2019), já trazia esse manifesto: beats suaves, letras evocativas e um clima que soava tanto Nova York quanto Kumasi.
Mais do que música, o SuperJazzClub parece interessado em criar atmosferas.
No EP Monochrome Radio (2024), a inquietação sonora ganha sofisticação. Há reggae dub em slow motion, R&B filtrado por trip-hop, hip-hop com vocais que parecem sussurros de rádio pirata londrino e melodias que lembram a soul psicodélica do início dos anos 2000. A faixa “UNO”, feita em colaboração com o britânico BenjiFlow, é um exemplo cristalino: um cruzamento entre o hip-life ganês e o minimalismo sensual da nova cena R&B do Reino Unido.
O nome SuperJazzClub pode soar anacrônico para quem espera jazz tradicional. Mas a escolha é mais um aceno à liberdade do que à forma. Para eles, o jazz é um verbo, não um substantivo. É improvisar, colidir ideias, expandir limites.
Interesses diversos
Mais do que música, o SuperJazzClub parece interessado em criar atmosferas. Seus videoclipes lembram cinema indie, seus figurinos dialogam com a moda de vanguarda e sua identidade visual tem um design deliberadamente cru e elegante. Não à toa, o grupo já colaborou com marcas como Reebok e Margiela. Eles não adaptam a arte à publicidade; fazem a publicidade se dobrar ao seu universo.
Esse ethos transparece também nos palcos. No Montreux Jazz Festival de 2024, o grupo foi escalado ao lado de lendas. Foi uma noite que parece ter selado uma transição simbólica: do afrocentrismo como estética para o pan-africanismo como linguagem global.
Se a África é muitas, o SuperJazzClub é uma tradução disso: plural, fluido, movido por desejo estético e urgência política. Em uma época em que a identidade se fragmenta e se reconfigura a cada post, o coletivo constrói uma obra que é ao mesmo tempo íntima e universal. Imperdível nesse C6 Fest.
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O C6 Fest de 2025 acontece entre os dias 22 e 25 de março, no Parque Ibirapuera. Com Air, The Pretenders e Wilco liderando o festival, nomes como Amaro Freitas, Nile Rodgers, Gossip e Mulatu Astatke também subirão aos palcos. A Escotilha estará na cobertura e, nos próximos dias, apresentará os artistas, dando um panorama do que o público brasileiro deve esperar dos shows.
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