Normalmente, o nome Tyler, The Creator anda de mãos dadas com a controvérsia. O rapper é conhecido por conflitos com diferentes celebridades e pela persona agressiva que criou nos seus primeiros trabalhos e adotou até então. Nesses quase 10 anos desde sua primeira mixtape, Tyler fez um personagem de si mesmo.
Em seu novo álbum, Flower Boy, parece que finalmente deixou a máscara de lado e resolveu mostrar para o mundo quem ele realmente é. Deixando um pouco de lado a produção e letras agressivas, aqui o rapper vai na direção oposta.
Durante 46 minutos, ele fala sobre seus conflitos com a própria sexualidade, o amor, a fama e a solidão com entrega e sinceridade. “Garden Shed”, por exemplo, é uma das faixas na qual Tyler fala mais abertamente sobre sua sexualidade — se ele é gay ou bi, isso não fica tão claro.
Ele também deixa claro que criou essa personalidade extrovertida e impulsiva justamente para disfarçar o fato de que se sente só.
Ele diz que sempre esteve escondido no “galpão do jardim”, que foi assim desde criança e achava que isso era só uma fase. Ele se relacionava com mulheres mais para manter as aparências e contar vantagens para os amigos do que por realmente ter alguma atração por elas.
A relação de Tyler com o dinheiro, a fama e a solidão aparece em faixas como “Boredom” e “911 / Mr. Lonely”. Juntas, elas criam uma espécie de narrativa dentro do álbum. Essas músicas apresentam um Tyler tão solitário a ponto de ligar para a polícia só para ter com quem conversar.
Ele também deixa claro que criou essa personalidade extrovertida e impulsiva justamente para disfarçar o fato de que se sente só — e como todos os carros e bens materiais que possui foram comprados numa tentativa de preencher esse vazio.
Sempre com um flow afiado e versos construídos de maneira criativa e inspirada, Tyler, The Creator não poupa jogos de palavras e referências, entregando performances memoráveis ao longo do álbum. O rapper alterna sua voz grave com falsetes e momentos mais íntimos, preservando um tom confessional na maior parte das faixas.
Ao longo de Flower Boy, apenas duas músicas adotam uma postura mais agressiva (tanto na parte lírica como instrumental): as monstruosas “Who Dat Boy” e “I Ain’t Got Time” — essa última, inclusive, tem a mesma pegada de Kanye West na era Yeezus. De resto, a produção do álbum encontra seu caminho nas nuances do jazz, soul e R&B.
Há momentos que remetem a Frank Ocean — que aparece em “Where This Flower Blooms” —, outros poderiam estar tranquilamente no último álbum de Childish Gambino (como é o caso da “Garden Shed”). Em linhas gerais, a produção é de muito bom gosto, consegue ser polida e melódica sem sacrificar momentos mais intensos para isso. O contraste entre as linhas de sintetizadores, metais, cordas e os baixos potentes inclusive favorece alguns dos beat switchs mais impactantes do ano até agora (vide “See You Again”).
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É um álbum sobre descobrir a si mesmo, sobre lidar com si mesmo, que consegue apresentar um lado mais sensível do rapper. Outro mérito desse trabalho é o de atingir uma consistência inédita na carreira de Tyler. Nenhuma música é supérflua ou soa deslocada no conjunto da obra — salvo a faixa “Droppin’ Seeds” com participação de Lil’ Wayne.
Graças a essa mudança de direção, Flower Boy causou um rebuliço na mídia especializada. Há quem ache que essa postura mais sincera, e mesmo o fato dele estar “saindo do armário” nesse álbum é só mais um de seus personagens — herança do passado controverso e letras ofensivas. São questões que acabam gerando apenas mais polêmica e não levam a lugar algum.
No final do dia, esse trabalho se encaixa em um momento peculiar do hip hop atual. DAMN., de Kendrick Lamar, SATURATION, de BROCKHAMPTON, 4:44, de JAY-Z e Flower Boy compartilham a mesma sinceridade e, de certa forma, vulnerabilidade.
No lugar de personas e personagens midiáticos, estamos vendo pela primeira vez esses rappers pelo que eles verdadeiramente são: sujeitos cheios de falhas, conflitos e dúvidas. Uma humanização que se faz necessária dentro de um gênero no qual a postura de tough guy sempre foi adotada como regra.