“Pensar certo significa procurar descobrir e entender o que se acha mais escondido nas coisas e nos fatos que nós observamos e analisamos.” A frase é de autoria do incomparável Paulo Freire, presente em sua última obra publicada em vida, o livro Pedagogia da Autonomia.
Nele, Freire apresenta propostas de práticas pedagógicas necessárias à educação como forma de construir a autonomia dos educandos, valorizando e respeitando sua cultura e seu acervo de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade.
Na prática, Paulo Freire defende a curiosidade como elemento chave para adquirir conhecimento, que, por sua vez, fornece autonomia ao aprendiz, possibilitando uma vida em liberdade. Para isso, o pedagogo defende a importância de estar aberto a novos conhecimentos, bem como conhecer o que a humanidade já produziu, possibilitando que recriemos o que o passado nos legou e criando o novo.
A introdução da coluna “Radar” desta semana tem propósito. Os gaúchos da Tess, grupo formado em 2012 por Daniel Tessler, Guilherme Curti, Beto Stone e Dyego Gheller mergulham em gêneros e grupos clássicos do rock ‘n roll, além de flertarem com movimentos mais contemporâneos como o indie rock e a indietrônica para dar fôlego à cena local. Com um disco e um EP na bagagem (2012 e Multicolor Movietone), a Tess abraça a cotidianeidade como fio condutor para falar sobre amor, conflitos, relações humanas.
Tessler e companhia se permitem o novo, desvinculando suas referências de trabalhos passados, ainda que não totalmente. O rock cru que Daniel e Beto faziam n’Os Efervescentes dá espaço à psicodelia d’Os Mutantes fusionado ao pop do Oasis.
Tessler e companhia se permitem o novo, desvinculando suas referências de trabalhos passados, ainda que não totalmente.
2012 foi um disco mais “de casa”. Talvez pelas participações de outros artistas gaúchos marcados na cena local, como Carlinhos Carneiro (Bidê ou Balde), Gabriel Azambuja e Rodolfo Krieger (Cachorro Grande), Leonardo Boff (Ultramen) e Frank Jorge (Graforréia Xilarmônica), o álbum tenha ficado mais fechado aos redutos do Rio Grande, mais próximo do que convencionamos como “Rock Gaúcho” – ao menos, o que o restante do Brasil convenciona.
Já em Multicolor Movietone, o EP lançado em 2015 e produzido por Edu K (da saudosa Defalla, ainda que talvez o grande público o conheça por sua participação no reality show A Fazenda), merece receber muita atenção. A Tess segue os ensinamentos de Paulo Freire e busca nos cantos mais escondidos de suas mentes a criatividade, que vem de quem reconhece o passado mas se abre ao novo. Dito isso, 2012 foi passo necessário ao grupo na busca por sua identidade e autonomia na cena musical.
O EP de quatro faixas começa com a solar “Poder Cantar”. “Para perceber que a vida segue aqui, que em qualquer lugar o sol vem aquecer”, cantam os músicos. Essa roupagem mais otimista é cadenciada por uma linha de baixo que em muito relembra o que Arnaldo Baptista e Liminha fizeram n’Os Mutantes.
Já “Te Encontrar” tem uma pegada mais The Birds, com riffs secos e entrecortados. Algo semelhante acontece em “O Dia de Amanhã”, a mais frenética de Multicolor Movietone. Há tons londrinos nesta parte do trabalho, quase uma balada-pop-rock-and-roll inebriante, que retorna a uma brincadeira meio tropicalista em seu encerramento, com um recado bem claro: “Não pense no nosso dia de amanhã.”
Finalizando o competente trabalho da Tess, “Shiva” é pesada, psicodélica, vanguardista. Tal qual o deus do hinduísmo, conhecido como “o destruidor e regenerador da energia vital”, “aquele que faz o bem”, a canção é um chamado à renovação, um passeio em busca de bençãos para uma vida melhor, mais completa, onde o encontro com nossas raízes permitirão um futuro mais fértil. Sobre a fertilidade, aqui caberiam várias interpretações. Como parte da essência plural da música, fica ao ouvinte a escolha para a interpretação que melhor caiba à sua vida.
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