Parece que determinadas fórmulas perpassam o tempo, resistentes como o diamante. Embora a poeira vez ou outra dê a sensação de acúmulo, difícil imaginar que a dupla artista/violão, popularizada por pilares da música mundial como Bob Dylan e Joni Mitchell, perca seu encanto. Há algo na cantora e compositora folk Julie Byrne que atiça os tímpanos. Suas músicas, espectrais e tangíveis simultaneamente, nos levam ao lugar preferido dela, onde através de melodias suaves e experiências pessoais somos apresentados a uma cantora que faz um constante jogo entra a simplicidade musical e a profunda exploração de sentimentos, que resultam em Not Even Happiness, certamente um dos discos mais marcantes da música neste 2017.
Ajudada pela sutil mas importante participação de seu produtor, Eric Littman, Julie Byrne esculpiu um disco agradabilíssimo, em que a paisagem sonora do registro mantém uma sensibilidade natural, sem rompantes puramente estéticos. As composições da cantora de Buffalo são construídas através de relatos introspectivos, uma espécie de jornada pessoal carregada de palavras de sabedoria.
Musicalmente, Byrne nos remete a artistas como Cat Power, Leonard Cohen e Sufjan Stevens, todos eles artistas que firmaram suas carreiras em compartilhar elementos inatos e pessoais. Há uma rede invisível que percorre Not Even Happiness por completo, uma camada complexa de pequenos momentos de expansão e refluxo, que funciona como um exercício de inspiração e expiração. Tema recorrente no disco, as relações de Byrne consigo e com o mundo estão sendo sempre trazidas à tona.
Not Even Happiness é uma verdadeira jornada de autodescobrimento, de reflexão sobre a vida contemporânea, um tratado sobre a busca por paz de espírito. “I’d cross the country and I’d carry no key, Couldn’t I look up at the stars from anywhere”, canta em “Sleepwalker”. Quando Byrne vai à natureza e se vê refletida em seus sonhos, ela de alguma forma exige de nós que façamos o mesmo.
Musicalmente, Byrne nos remete a artistas como Cat Power, Leonard Cohen e Sufjan Stevens, todos eles artistas que firmaram suas carreiras em compartilhar elementos inatos e pessoais.
O disco é a marca de uma cantora amadurecida, que deixou para trás a aspereza, seriedade e urgência de seus primeiros EPs, evidente pela opção de arranjos simples e que recorrem a (no máximo) um reverb suave. Byrne se esforça em nos convencer com Not Even Happiness que, apesar de sermos capazes de encontrar conforto na solidão, é no encontro com o próximo que a vida passa a ter um sentido completo. A mágica talvez seja que o álbum não retrata uma história de amor, mas qualquer tipo de relação.
Há espaço até para uma canção “metalinguística”, “I Live Now as a Singer”, provavelmente a que amarra todo o registro, como se ele tivesse sido planejado para nos levar até ali para que fizéssemos parte da obra. “And I have dragged my life across the country, and wondered if travel led me anywhere, there’s a passion in me, but it stands no long for those things. Tell me how it feels for you to be in love”.
Outras canções se destacam no equilibrado disco, como “Natural Blue” e “All the Land Glimmered”. Desde as primeiras notas, Not Even Happiness é o equivalente sonoro a um livro incrivelmente íntimo e acolhedor, difícil de ser resumido – afinal, como se resume a transitoriedade da vida adulta? Neste sentido, é preciso crer que Julie Byrne não oferece uma resolução ao final do trabalho, mas deixa ideias soltas, pequenas declarações etéreas que farão com que ruminemos nossa vida de forma a entender o que nos trouxe até aqui.