Sandy ainda não é levada a sério, ao menos para boa parcela da crítica, que insiste em diminuir o trabalho da moça. Em carreira solo desde 2010, Sandy faz questão de compor quase todas as músicas de seus álbuns, Manuscrito (2010) e Sim (2013). Enquanto, para alguns, a cantora tem bastante dificuldade em produzir letras mais ricas, outros nem ao menos a ouvem por puro preconceito. De qualquer forma, Sandy tenta quebrar, ainda que muito de leve, a redoma de vidro construída ao longo dos anos pela mídia e por ela mesma. Por isso, na última quinta-feira, em Curitiba, em um Teatro Guaíra lotado de fãs predominantemente jovens e saudosos, Sandy canta e pede: “Seja bem-vindo / Entre sem bater / Sem julgar, sem tentar entender”.
Lançando seu segundo DVD da carreira solo, Meu Canto, Sandy mostra uma maior e perceptível segurança no palco. Se com a turnê do álbum Manuscrito ela cambaleava entre a aceitação do público e uma autoafirmação na sua música, na atual fase Sandy percebe que sua base de fãs é bastante fiel e que seu trabalho, enfim, é ouvido por quem mais interessa a um artista. Afinal, Sandy pode não agradar a todos os ouvidos, mas consegue a proeza de povoar o imaginário de quase todo adulto que nasceu no final dos anos 1980 e viveu o fenômeno que foi Sandy e Junior e que continua seguindo a cantora desde então, algo raro na música. Dessa forma, o público se dividia entre aqueles que sabiam de cor todas as músicas da carreira solo (até as inéditas que nem foram lançadas comercialmente) e aqueles que torciam para que Sandy cantasse suas músicas juvenis da época da dupla com seu irmão.
Sandy, enfim, sabe o que faz. Com um cenário repleto de detalhes, a cantora tenta aproximar o público da sua redoma. Com engrenagens, portas, escada, tapetes, mobílias delicadas e uma iluminação intimista, é como se Sandy estivesse nos convidando a entrar e conhecer um pouco da sua verdade. Tudo no show é pensado artística e conceitualmente para que as músicas casem com o tema da turnê. Abrindo com “Sim”, Sandy avisa que agora está disposta a arriscar; “Aquela dos 30” fala sobre as reflexões de se chegar na tal idade da crise; “Ela/Ele” é uma declaração de amor ao marido, assim como “Perdida e Salva” e “Morada”.
Levando a plateia na palma da mão, a cantora não parece ter o menor receio de evitar cantar músicas de sua carreira antiga. Assim, comprova o sucesso de seu novo single “Me Espera”, parceria com Tiago Iorc, quando toda a plateia faz coro para acompanhá-la. Apresenta, também, mais três canções inéditas e foca em seus dois últimos álbuns. Nas músicas novas, aliás, a admiração pelo marido continua. Em “Salto”, Sandy avisa que, embora ela permita que o público veja um pouquinho do seu canto, é só ele quem tem acesso completo à residência. “Só com você desço do salto / Tiro a maquiagem / Elevo a minha voz / Baixo o tom do meu português”. Há, também, bastante verdade em “Colidiu”, quando Sandy canta versos como: “Você não era o homem dos meus sonhos / Porque enfim faltava imaginação / Reescreve a minha história com sorrisos / Transforma o meu silêncio em canção”. Mas talvez a parte mais emocionante do show seja quando Sandy relembra de seu avô e canta a belíssima “Cantiga por Luciana”, música da cantora Evinha. É quando Sandy olha para ela mesma que o público a desassocia de Junior e a vê apenas como Sandy Leah.
É quando Sandy olha para ela mesma que o público a desassocia de Junior e a vê apenas como Sandy Leah.
O problema é que ela jamais sai do roteiro. Ao tentar emular exatamente o mesmo show do DVD, Sandy força a barra até nas falas com a plateia. Antes de cantar “Salto”, ela fala de seu processo de composição, mas não há como evitar pensar que todo aquele texto é decorado, já que é a mesma fala dita em outros shows da turnê. Até há alguns diálogos espontâneos (quando ela relembra que seu retorno aos palcos foi em Curitiba, por exemplo), mas são poucos. Durante todo o show, Sandy não somente repete as mesmas frases, como chega a fazer os mesmos gestos de outras apresentações. Para quem tenta buscar sua verdade, Sandy ainda parece muito presa a técnicas, uma mecânica exagerada que diminui o impacto de toda a bela produção.
A cantora consegue se conectar com suas canções, mas falha ao tentar passar isso ao público, que volta a lembrar que, no fundo, a grande motivação para assisti-la é a nostalgia. Dessa forma, a plateia vibra quando ela finge encerrar a noite com “Nada é por Acaso”, sucesso de 2001, mas eles pedem mais. Quando sai do palco para o bis, o público entoa desesperado “Quando Você Passa (Turu Turu)”. Ela volta e canta uma bonita versão a cappella, mas não dá, de fato, o que o público quer, porque não há espaço para sair do roteiro. Após, emenda a ótima “Desperdiçou”, mas encerra com a fraca “Ponto Final”, de seu último álbum. A impressão, no final, é que assistimos a um show impecável, muito bem pensado, produzido e executado exatamente como mostrado no DVD Meu Canto, mas que ainda falta alguma coisa.
Porém, Sandy trilha um caminho correto e promissor. Com álbuns muito bem produzidos, shows elegantes, parcerias musicais certas, escolhas inteligentes e respeito de diversos artistas, a cantora parece bastante segura do que quer e do que fazer, ainda que a crítica especializada torça o nariz. O que falta a ela é se conectar mais com seu público e menos com a burocracia de como se comportar em um palco para acertar todas as notas. Quando a nostalgia do público acabar, os fãs não vão mais se contentar apenas com fragmentos de uma Sandy que parece ter bastante coisa a mostrar, mas que não permite isso jamais.