Chegou hoje às plataformas digitais o novo disco do Escambau, Sopa de Cabeça de Bagre. Através de uma extensa pesquisa musical, Giovanni Caruso e sua trupe proporcionam ao ouvinte um passeio pelo Brasil, recheando o rock’n’roll do grupo com outros estilos.
Do chamamé à MPB, Sopa de Cabeça de Bagre deságua em um rock cru, conciso e potente, diferenciando-se do que é feito na cena paranaense na atualidade por sua estrutura, mas sem perder o DNA que marca o rock local e também oferecendo um flerte com o rock gaúcho.
A maturidade sonora do grupo e do disco não é à toa. Por trás de cada instrumento, nomes de respeito da cena curitibana estão lado a lado com Giovanni Caruso. Maria Paraguaya, Zo Escambau, Yan Lemos e Ivan Rodrigues, juntamente com Caruso, formam uma equipe entrosada, capaz de unir gêneros e ritmos tão diversos de maneira sóbria, a ponto de fermentarem uma sonoridade única, retrô mas ainda assim vanguardista.
A maturidade sonora do grupo e do disco não é à toa. Por trás de cada instrumento, nomes de respeito da cena curitibana formam uma equipe entrosada.
Lemos e Rodrigues são uma das cozinhas mais ricas e sinérgicas do underground do sul brasileiro, conduzindo os dois discos de Sopa de Cabeça de Bagre com maestria. Paraguaya é a personificação da estética do grupo, muito mais evidente no novo álbum do que em Novo Tentamento (2014), por exemplo. Dela emergem notas noir que se encaixam sem qualquer espécie de resquício tétrico, uma aula constante de como o talento de um artista pode caminhar por diferentes projetos (com diferentes características, diga-se) e soar original em cada um deles.
Enquanto isso, as guitarras de Zo e Caruso tecem estruturas lógicas que não se sobrepõem, pelo contrário. Os guitarristas imprimem seus riffs em camadas independentes, mas harmonicamente unidas, como se estivessem dispostas de maneira a preencher os vácuos propositais deixados por uma ou por outra.
“Os Melhores quanto ao Carnaval” e “Fogo”, dois primeiros singles do disco duplo disponibilizados, com direito a videoclipe, serviram como aperitivo de um disco muito mais complexo do que essas duas faixas deram impressão. A impressionante tessitura elaborada pelo grupo começa já na opção de dividir Sopa de Cabeça de Bagre em dois discos, seguindo a estrutura dos antigos bolachões, que dividiam as obras em lado A e B. A partir disso, é preciso compreender o registro de forma semelhante, sendo que a experimentação (característica mais marcante do quinteto) e os temas políticos são inseridos nos dois lados, funcionando como liga, uma espécie de ponte que une e dá sentido ao trabalho.
O primeiro disco guarda algumas preciosidades como “Organismo Só”, com seu ar retrô e órgão que nos remete à obra de Guilherme Arantes, em especial do primeiro disco do cantor e compositor paulista, Guilherme Arantes (1976) – e que retorna no segundo disco com a faixa “Cometa”; o chamamé de “Louco”; o trio psicodélico composto por “Pr’onde é que vai?” (faixa mais longa do novo trabalho), “Vivo” e a excelente “Bem-Vindos”.
O ritmo de preciosidades segue no “lado B”. “Zero à Esquerda” é um samba crítico (como boa parte da obra, por sinal) e guitarrado; o ápice psicodélico de “Jogo do Homem”; o baixo groovado e a guitarra oitentista de “O Vampiro e a Paraguaya”. Mas é “Os Melhores quanto ao Carnaval” a marca de Sopa de Cabeça de Bagre, não apenas um hit, mas um hino já pronto para cair nas graças do público.
De tempos em tempos, acompanhamos nascer obras que vão marcar época, seja por suas propostas sonoras, estéticas ou líricas. O novo trabalho do Escambau não apenas foi capaz de unir estes três elementos, como deu um novo sentido à nossa concepção de olhar crítico para o país. Para quem acredita que o rock encaretou – e segue desconexo da realidade do país –, Sopa de Cabeça de Bagre é um tremendo alívio.