O Peru de Chabuca Granda é maior e mais diversificado nos dias de hoje. A intensa produção cultural no país vizinho se ramifica para além das questões folclóricas ou tradicionais. Um dos bons grupos que pouco a pouco agitam a cena musical local tem nome que “soa bem e tem algo de icônico”. Ao menos é assim que Tomás Orrego apresenta sua banda, a Los Hijos del Culto.
Com um EP e um split lançados (Víctimas de la Ciencia Ficción e Banana Split, respectivamente), o grupo de Lima estabelece sua carreira para bem longe dos ritmos mais tradicionais. Da surf music ao doom, passando pelo grindcore e pop, a banda faz música para “beber, dançar e derramar cerveja”. “Fazer música no Peru é muito divertido, porque ninguém espera nada de você. Não há regras e as pessoas que frequentam a cena musical independente são muito abertas a tudo”, nos conta Orrego, guitarrista e vocalista da Los Hijos del Culto.
Conversar com Tomás confirma a eterna crítica dos artistas independentes. “Como sempre, as cenas independentes dos países são muito ignoradas, até que alguém do exterior as traga à luz”, confidencia o músico. “Há tanto potencial aqui como em qualquer [outro] país”, finaliza.
Completam o trio peruano o baixista Asiel Nuñez e o baterista Gabriel Crovetto, que fazem desta união um exercício democrático ao incluir as influências musicais de cada integrante. “Inicialmente, quando mostrei umas demos para o restante do grupo, as influências que elas tinham eram de bandas como Bad Brains [Estados Unidos], Babasónicos [Argentina] e Carcass [Inglaterra]”.
Lançado em 2015, em Víctimas de la Ciencia Ficcíon o trio optou por produzi-lo em lo-fi, uma forma de produção musical que usa técnicas de gravação de baixa fidelidade. Maior do que a limitação financeira, o lo-fi parece uma opção estética do grupo, agregando uma personalidade peculiarmente estranha ao som da Los Hijos del Culto, combinando, ainda, com a forma com as canções são cantadas e puxando consigo uma atitude punk.
Há algo de Misfits, mas os peruanos têm um tempero muito próprio, que desmonta qualquer possibilidade de comparação, como Tomás vestido de judeu ortodoxo enquanto canta.
Se as dificuldades de ser independente no Brasil são bem conhecidas por nós, pergunto a Orrego como é fazer rock no Peru. Nada surpreendente descobrir que, lá como aqui, há pouca penetração nas rádios e emissoras televisivas.
“As rádios seguem passando música peruana de mais de 20 anos atrás, só tocam hits do pop ou música alternativa mais comercial”. Espaço ainda que mínimo à música independente? “O tempo dedicado a música de hoje é quase inexistente”, completa.
Tomás aprofunda o mergulho e nos conta mais sobre como é a cena peruana. “É muito rica em sons; em casa show que se organiza há uma variedade impressionante de gêneros e propostas musicais. Cada semana há mais de um show e cada vez aparecem mais bandas que se juntam para organizar ou gravar discos”.
A Los Hijos del Culto tem um poder difícil de ser traduzido em palavras. O split Banana Split (com a banda Los Cunches) deixa ainda mais explícita a qualidade do trio, seu diálogo com elementos da cultura pop, principalmente os provenientes do gênero de horror, seja no cinema ou literatura. Há algo de Misfits, banda que ganha vez ou outra uma homenagem em versão de cover durante os shows, mas os peruanos têm um tempero muito próprio, que desmonta qualquer possibilidade de comparação, como Tomás vestido de judeu ortodoxo enquanto executa a canção “La Hora del Vampiro”, single lançado também em 2015.
Numa espécie de provocação não-intencional, uma frase do músico me chama a atenção. “O mercado [da música] sempre será muito fechado a coisas que não se compreende ou a coisas que te obriguem a assumir riscos”. O que devemos ouvir, então, para conhecer melhor o rock peruano? “Pessoalmente recomendaria as seguintes bandas: Seto Mercurio, Liquidarlo Celuloide, Jardín, Los Mortero, Los Cunches, Cocaína, Estamina, El Hombre Misterioso, Maywa, Pauchi Sazaki y Mundaka. Creio que com estas bandas se pode ter uma visão um pouco mais ampla da cena independente.” Bastante coisa, não? E ó que Tomás se limitou a sugerir artistas da cena de Lima. Fica a provocação: assuma riscos e conheça-os.
NO RADAR | Los Hijos del Culto
Onde: Lima, Peru.
Quando: 2011
Contatos: Facebook | Bandcamp | Soundcloud | YouTube
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