É fato que parte da imprensa e dos veículos midiáticos trabalha a cultura de maneira elitista. É fato, também, que parte do público consumidor de cultura tem preconceito com o funk. Também é fato que existem canções no gênero que exaltam o uso de drogas, a ação do crime organizado e retratam as mulheres como objeto, submissas e descartáveis. Contudo, estes fatos não podem ser determinantes para que o funk seja marginalizado.
Cada vez mais presente nas classes sociais mais altas do Brasil – parte pela maquiagem mais pop que a indústria da música deu a alguns artistas, como no caso da cantora Anitta, por exemplo; parte pela divulgação cada vez mais constante nos veículos midiáticos não só do funk, mas também da cultura periférica, como no caso da novela da rede Globo I Love Paraisópolis – o funk se ancora no princípio comum da cultura marginal: a representatividade.
Para o sociólogo Allan Ribeiro, o gênero é uma forma de expressão que casa com a experiência de vida do seu ouvinte. “Desprovida dos signos aceitos como válidos para parte da população, que geralmente são repassados pela educação institucional, que no Brasil já se mostra falida, essa parcela se expressa de acordo com sua experiência de vida”.
Para Ribeiro, o funk e o eletrofunk invertem uma equação na sociedade, posto que a informação não circula mais “de cima para baixo” na escala social. “Não digo que o funk carioca e seus Mcs sejam vanguarda artística, conceito que, creio eu, não conhecem e, sobretudo, não lhes faz falta alguma”, afirma. “Acontece que não só o comportamento como as letras das músicas são apologias à liberação sexual levada ao limite, à mulher fazendo valer os direitos sobre seu próprio corpo, independente do que outras pessoas venham a dizer ou pensar”.
Foi neste cenário que vimos emergir nos últimos três anos uma artista que, ciente de seu valor e cheia de conteúdo, assumiu uma posição firme no uso da música como bandeira política. A paranaense Mayara Juliana de Souza, conhecida pelo nome artístico de Mc Mayara, é o nome mais forte do eletrofunk, uma vertente do gênero musical que utiliza muitos samplers e batidas da música eletrônica, e que, nas palavras da cantora “é a voz do povo e das minorias” e que “talvez seja o que mais tem verdades em suas músicas”.
https://www.youtube.com/watch?v=fv3BGQa_C2c
Desde 2012, quando lançou os hits “Ai Como Eu Tô Bandida” e “Minha Primeira Vez”, Mc Mayara chamou a atenção por diferentes motivos. Para o Ministério Público, Mayara precisou comprovar maioridade para continuar se apresentando (leia mais aqui). Para o público em geral, precisou mostrar que suas músicas eram muito mais que puro conteúdo sugestivo erótico.
Perguntada se crê que o público leve a sério suas músicas, diz acreditar que as pessoas entendem que esse é o seu jeito. “Tenho que chegar com uma mensagem mais rápida as pessoas. Funk é a musica eletrônica das favelas. O custo é baixo e se espalha muito rápido. Talvez por isso tenha escolhido esse gênero”, afirma a cantora.
‘Tenho que chegar com uma mensagem mais rápida as pessoas. Funk é a musica eletrônica das favelas. O custo é baixo e se espalha muito rápido’.
E Mc Mayara deu mais um ótimo exemplo sobre seu posicionamento feminista com o novo single “Ai Como Eu Tô Bandida 2”. A cantora, para quem sua música é um “calo no pé das maiorias”, construiu uma canção em que, do início ao fim, critica o machismo, a homofobia, o racismo e clama pelo empoderamento feminino. “Todos têm o direito de nascer e ser quem quiser e como quiser”, diz.
Em pouquíssimo tempo, o videoclipe da canção alcançou mais de um milhão de visualizações no YouTube. Sua força? Além de uma forma bem-humorada de tocar em assuntos tão densos, Mc Mayara é cativante, simpática e acessível ao seu público. “Sempre fui a favor da liberdade de ser quem você quiser” disse. Para completar, não tem medo algum em tomar partido das bandeiras que defende. “Desde que não agrida ou passe por cima de ninguém”, completa.
Impossível não admitir que Mayara e o funk, carioca ou curitibano, estão muito mais próximos da realidade brasileira (e falando o que deve ser dito) do que o pop, o sertanejo universitário e, principalmente, o rock e suas vertentes. Mas, para ela, ainda é pouco. “Ainda estamos muitas galáxias de distância de atingir essa igualdade (entre os gêneros). Precisamos de muita luta para tomar o nosso devido posto nesse planeta”.
Conte conosco nesta batalha, Mayara.
Videoclipe de “Ai Como Eu Tô Bandida 2”
https://www.youtube.com/watch?v=3FcoUHVDRqY