Em 1967, a Tropicália atropelava como uma locomotiva desenfreada a doçura limitada do “iê-iê-iê” da Jovem Guarda. Embebidos pelo rock inglês e pela música vanguardista erudita (capitaneada pelo maestro Rogério Duprat) e abundantemente temperados pela cultura popular brasileira, mentes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Tom Zé e Gal Costa estavam à frente de um dos movimentos musicais e culturais mais paradoxalmente autênticos (visto que este era extremamente híbrido) de nosso Brasil.
Neste caldeirão de influências, dois irmãos e uma ainda tímida menina de voz doce não só envolveram-se de corpo, mente e espírito, como embriagaram-se do tropicalismo e no ano seguinte gravaram um dos discos mais revolucionários que esta terrinha tem notícias.
Acredite, nobre leitor: tais superlativos não são gratuitos ou fortuitos. Os três seres inteligíveis citados acima – a saber, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee – gravaram em 1968, o primeiro álbum d’Os Mutantes (que depois eliminariam o artigo definido, tornando-se apenas Mutantes, como que uma metacrítica para quem a indefinição e a flexibilidade de inventividade sempre foram cruciais).
O homônimo disco não só mexeu com a cabeça de músicos e apreciadores do Brasil, como é considerado umas das principais obras-primas da psicodelia musical.
Ainda acha exagero? Pois saiba que a revista britânica MOJO, uma das mais renomadas do mundo, considerou tal disco como um dos 50 mais inovadores da história, a frente de –senta aí – Pink Floyd e Frank Zappa.
A abertura do disco ficou por conta da magistral “Panis et circenses”, presente de Caetano e Gil, cuja belíssima letra apresentava hipérboles recheadas de recados subliminares para os censores da Ditadura.
Enaltecidos por Sean Lennon (o filho do homem, do John) e David Byrne – pra ficar no óbvio – o trio produziu um dos álbuns mais criativos e inventivos de que se tem notícia.
Talento e ótima companhia possibilitaram tal feito. A abertura do disco ficou por conta da magistral “Panis et circenses”, presente de Caetano e Gil, cuja belíssima letra apresentava hipérboles recheadas de recados subliminares para os censores da Ditadura, e finalizava com o emblemático cântico “Mas as pessoas na sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer”.
Da dupla também veio a divertida e sincrética “Bat Macumba”, poesia concreta musicada que certamente orgulharia Oswald de Andrade (que afirmava que o Brasil era “macumba pra turista”). Caetano ainda contribuiria com a soberana “Baby” e compôs com o grupo “Trem Fantasma”.
Outra participação imprescindível foi a de Jorge Ben, ao violão de “Minha menina”, composição sua, inclusive.
Mas Os Mutantes também provaram que já eram bons compositores (fato que se consolidaria ainda mais nos álbuns seguintes, em que a banda conquistaria autonomia ímpar) e as psicodélicas “O Relógio” e “Ave, Genghis Khan” não deixavam o trio brazuca atrás de nenhum lisérgico gringo, por mais que muitos portadores da síndrome de vira-lata tentassem negar – afinal, admitir que tem brasileiro fazendo rock mais doido e criativo do que estadunidense e inglês ofendeu e ofende bastante gente ainda, infelizmente.
Passados 50 anos do lançamento do petardo, certificamos com mais veemência do que nunca a importância tanto da banda, quanto deste disco, que se por uma razão muito infeliz não tivesse existido, todo o restante da nossa música, em especial o rock, poderia ter sido diferente.
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