Frio pode ser a sensação térmica, pode ser um adjetivo para algo ou alguém que não apresenta muitas emoções, para a falta de afeto, para a solidão. Uma cidade pode ser fria de diversas maneiras. Ela pode ser gelada – no termo literal da palavra -, pode não ser acolhedora, pode ser tão grande e tão cheia que, no fim, é vazia. É com o frio em todos esses sentidos que Marcelo Perdido criou o seu inverno, uma obra que fala de São Paulo, fala sobre cidades grandes e frias ou cidades pequenas e quentes; fala de relações entre pessoas que representam esse inverno e como nos prendemos a essa estação.
Inverno é o segundo disco do cantor e compositor carioca Marcelo Perdido, sequência do disco de estreia, Lenhador, lançado no ano passado. Juntos, formam uma passagem de estações. Lenhador é um disco outonal, enquanto Inverno é, bem, sobre a estação mais fria do ano. O disco é pensado em cima de um clima desde o início, do projeto gráfico à produção assinada por João Erbetta, que acompanha Marcelo nos instrumentos das criações. É um álbum singelo, acústico e minimalista, que aposta em menos para dar mais. No caso, mais emoção e sinceridade.
Foi um disco que me surpreendeu. Fui ouvi-lo sem saber muito o que esperar, mas logo na faixa inicial já fui apresentado à poesia de Marcelo, contando que queria poder controlar tudo que sente no inverno. Uma frase que dá o tom do sentimento da obra, sobre jovens adultos perdidos em um inverno. Na sequência, “Saturno” levanta o álbum para a condição incrível que tem. Uma das melhores faixas deste que é um dos melhores – se não o melhor – albuns nacionais lançados em 2015. Nela, o cantor incorpora quase que a Alucinação, de Belchior em 1976, cantando “Eu vim para essa cidade atrás de riso, atrás de água, atrás de fama”. Relação, aliás, que aparece em outros momentos das composições, acompanhando uma sensação moderna de alguém que mudou-se para a metrópole paulista, algo que Belchior eternizou em sua obra-prima.
“É um disco de folk, mas que caminha pela MPB acompanhado de um violão, violinos e a bela voz de Marcelo. É intimista, do tipo de música que parece falar com você.”
Cada canção aqui é tão significativa e tem um sentimento tão forte por trás que quase merece citação uma por uma. “Saúde” fala da paranoia contemporânea em busca do que faz bem; “Defeito” sobre quando o pai do cantor foi parar no hospital, e por aí vai. Em “Tudo de Bom”, Marcelo faz um dueto com o cantor uruguaio Gonzalo Deniz, do ótimo projeto Franny Glass, simulando uma conversa entre dois amigos que não se viam há tempos. Eles contam dos problemas do dia: “Tive de vir em pé no trem. Ana fez massa sem molho, é a cara de São Paulo!” enquanto tomam cerveja em um shopping. A música ainda fecha com uma pontada de esperança, de quem fala que o dia nem foi tão ruim, apesar do céu cinza e das costas pesando chumbo.
Inverno é um disco cheio de boas canções, mas que, acima de tudo, é uma obra completa. É um conceito que depende de cada história contada nas dez faixas para ser interpretado por inteiro. É um disco de folk, mas que caminha pela MPB acompanhado de um violão, violinos e a bela voz de Marcelo. É intimista, do tipo de música que parece falar com você, que demanda a sua atenção e te dá a mão para um passeio. É sincero e doloroso, mas também é esperançoso de que depois do inverno vem a primavera.