“Tem uma orquestra sinfônica lá na costa leste. O regente faz o maior sucesso com aquilo que só posso classificar de Melodias para Principiantes. Esses trechos de música que agradam a quem é inexperiente em matéria de música clássica. Mas se o sujeito tem um pingo de sensibilidade, não pode escutar essas peças mais do que 4 ou 5 vezes sem sentir náuseas.
(…) o regente vem dos bastidores, agradece os aplausos uma porção de vezes e depois pede pra orquestra levantar. A única ideia que me ocorre é: será que ele sabe que está tapeando essa gente ou também é retardado mental?”
Essas são as doces e sutis palavras do Velho Safado após um breve concerto de música clássica, na crônica “Notas de um candidato a suicida”. Se Bukowski, fã declarado de música clássica, não mediu a língua e os dedos para criticar o breve concerto de uma orquestra, outros gêneros, especialmente o rock, em ascensão nos anos 1960 e 70 e sob grande influência de seus contemporâneos beatnik, não seria poupado de críticas.
O escritor e poeta, considerado por muitos (e por este que vos escreve) como um dos grandes autores da literatura norte-americana, comprimiu em sua obra toda a experiência da vida com um pai violento, o vício em bebidas e apostas e o convívio com aquele que a crítica definiu a seu bel prazer como a figura do fracasso. Aliás, nas palavras de Jack Kroll na extinta Newsweek, Buk era “um perturbador profissional da ordem estabelecida — escreve com delirante insistência romântica, afirmando que os fracassados são menos hipócritas que os vitoriosos, e com veemente compaixão pelos perdidos”. E mesmo, conforme dito anteriormente, apreciador da música clássica, Bukowski deixou um grande legado para as bandas de rock, tanto da geração que nasceu no berço da América no auge de sua obra, quanto as que vieram após a sua morte, em 1993.
Graças a sua importância e relevância quase que unanime na literatura, é comum encontrar referências ao Velho Safado em trechos de músicas de bandas como Pearl Jam, Anthrax, Red Hot Chilli Peppers e Modest Mouse, ou em dedicatórias, como a música “Dirty Day”, do U2. Além das faixas, a influência de Bukowski é vista de várias outras formas, sejam em definições, como a de Cazuza ao tratar o banheiro como a igreja dos bêbados, ou nos nomes de banda, como Hot Water Music, que pegou emprestado da obra do Velho Safado. Em todos esses casos, a menção para lá de honrosa ao escritor se dá em rumos alcoólicos, desilusões ou do espírito Fuck It All.
Deste mesmo espírito que surgiu em 2007, na França, outro Bukowski. Dessa vez, uma banda e não outro escritor. O nome do grupo é uma homenagem ao escritor, enquanto suas músicas, pesadas e melódicas, em nada se referem ao que Buk representava.
Graças a sua importância e relevância quase que unanime na literatura, é comum encontrar referências ao Velho Safado em trechos de músicas de bandas como Pearl Jam, Anthrax, Red Hot Chilli Peppers e Modest Mouse.
Mas o que a banda Bukowski tem a ver com o escritor Bukowski? Bom, absolutamente nada; a não ser, talvez, o fato de que ambos são cientes que não vieram para o mundo com a intenção de provar nada a ninguém, tampouco a de receber os louros como os melhores.
As faixas e as letras do grupo em nada tentam imitar Chinaski. Apenas partem da mesma desilusão e, em muitos casos, pessimismo para um trabalho bem elaborado e extremamente agradável.
No meu caso, fui surpreendido quando parei para ouvi-los. Fui sem expectativa alguma, esperando apenas mais uma banda indie, carregada de ares cult. Ao invés disso, me encontrei com pentagramas, distorções carregadas, vocais francos e suaves em um rock de garagem que tem um quê de Nirvana com algumas raízes no melhor do pós-punk.
A banda já está em seu quarto trabalho de estúdio, intitulado On the Rocks, datado de 2015. Inclusive, deixaram de ser um trio para virar oficialmente um quarteto. As faixas são perfeitas para encantar aquele fã do power rock, passando pelo grunge e o stoner, que abre mão das inovações para apreciar algo mais cru e cheio de vida. O destaque do grupo fica pra o álbum Hazardous Creatures, de 2013, mas a faixa “Midnight Son” – do álbum homônimo – é o deepest blues, o ponto máximo para os seus fones se derreterem nos seus ouvidos.
Apesar do nome, escritor e banda nada têm a ver um com o outro. Repito: absolutamente nada. Enquanto o Bukowski deixa seu legado na humanidade como um dos mais virtuosos autores, a Bukowski nos deixa apenas uma homenagem ao Velho em seu nome e o abuso na compaixão pelos perdidos e a perturbação da ordem estabelecida, já que surge em tempos novos, repletos de efeitos, para vomitar um rock cru, digno do começo dos anos 1990.
Mas o lado bom é que para os apreciadores de uísque, faz um bem danado para a alma ter tanto um na prateleira, quanto outro na estante.