Unir referências ciganas ao folk não é lá novidade. Não se assuste, você não ouviu errado. Se os nova-iorquinos da Gogol Bordello marcaram época com seu gypsy punk, saiba que ela não é a única banda da história da música a mesclar a riqueza do som dos Balcãs com elementos mais contemporâneos e universais. Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra, antes mesmo da Gogol Bordello, criou um gypsy rock com uma identidade muito própria. O mesmo vale para os romenos do Fanfare Ciocărlia.
“Alejandro, mas a Meca da música mundial não é os Estados Unidos?”, perguntaria você, ao que eu responderia um sonoro “Sim!”. Mas mesmo nos Estados Unidos temos outros bons exemplos. Seattle, terra do grunge, também deu origem a Kultur Shock, uma banda que mesclou gypsy punk, funk e metal. Há, ainda, a orquestra de Zach Condon. O Beirut ganhou ares cult com seu folk inspirado pela cultura do Leste Europeu feito lá no Novo México.
Pelos lados de Curitiba, apesar de uma presença relativamente marcante do folk na cena musical da cidade, ainda são relativamente raros os grupos que compreendem que o gênero não precisa ser engessado, tampouco um monte de banjos, violões, vozes roucas e roupas xadrez. Para nossa sorte, a Watch Out For The Hounds, Prata da Casa desta semana, é um bom exemplo do que pode acontecer quando você, músico, sai de sua zona de conforto.
Formada em 2012, união dos músicos André Osna, Nikolas Quadros, Will França, Caro Pisco, Beatriz Santana e Fernanda Koppe, a Watch Out For The Hounds pegou o gypsy punk, o folk, elementos da Tropicália e post-punk, colocou tudo num liquidificador e deu forma a uma das sonoridades mais interessantes encontradas na música paranaense.
O grupo tem gravado um EP, o Release the Hounds, e está em processo final de gravação de seu primeiro full-lenght. Ao longo dos últimos meses, a banda foi soltando algumas demos em sua conta no Soundcloud, mesclando canções já conhecidas com algumas coisas que devem vir no novo trabalho. Nota-se que a postura quase despretensiosa e o sarcasmo, já tão característicos da Watch Out For The Hounds, marcarão presença.
As composições são soturnas, verdadeiros exemplos do que o folk exige no trovadorismo dentro da música contemporânea.
Canções como “Le Cirque du Freak”, “Oh Oh” e a cabarezistica “Not Far Enough” compõem a “trilogia suja da ‘suburbanidade’ curitibana”. As composições são soturnas, verdadeiros exemplos do que o folk exige no trovadorismo dentro da música contemporânea. É preciso acreditar que uma arte não vive isolada, dependendo de elementos das artes visuais, da literatura e da dança para criarem uma experiência artístico-cultural completa. Bob Dylan, Os Mutantes e Radiohead são exemplos claros do que acontece quando existe a compreensão da arte para além da própria arte.
Há uma força importante no trabalho da Watch Out For The Hounds no que concerne à sua proposta literária. Conciso, o trabalho lírico da banda é repleto de elegância sem, no entanto, soar arrogante, característica infelizmente comum em grupos que sabem que possuem um domínio literário acima da média. Traduzindo: não é simplesmente uma música que diz qualquer coisa apenas por estar em inglês, ou que se protege com a desculpa de que a faz apenas para se divertir, quase como quem diz “Cara, não me cobre pelo que estou dizendo”. Ao contrário. Ela diverte, entretém e cativa justamente por levar a sério o público e uns aos outros, sem perder o prazer de fazer algo que se gosta entre amigos.
Que venha o novo álbum. As araucárias, os ciganos e eu já estamos no aguardo.