“Então, você é músico? Ah, que bacana… E no que você trabalha mesmo?” Acredito que alguns músicos já devem ter ouvido essa clássica e infeliz sentença. Como se fazer música, e viver dela, fosse algo totalmente fora do contexto de qualquer tipo de vida. Aproveitando que comemoramos recentemente o Dia do Trabalhador, puxo pela memória algumas histórias de músicos que, antes de tornarem-se famosos, tiveram que levar carimbo na carteira de trabalho.
Nos anos 1970 e 1980 a Inglaterra passava por transformações radicais nas áreas econômica e social. Margaret Thatcher, a primeira-ministra, passou o facão, privatizando empresas e cortando benefícios sociais. A inflação foi controlada, mas muita gente estava no olho da rua. Cidades do interior, como Manchester e Liverpool, vivam dias cinzentos. Não só por conta dessas questões, mas porque a juventude também não via boas perspectivas para o futuro. Na época, os jovens tinham poucos caminhos para direcionar sua revolta e desânimo – ou nos campos de futebol ou na música.
Mick Jones, do Clash, também não tinha o melhor dos empregos. Sua função no escritório da Previdência Social, em Londres, era abrir as cartas. Mas não eram carta comuns. Eram aquelas que podiam ter dentro uma bomba enviada pelo Exército Republicano Irlandês, o IRA.
Em 1973, Ian Curtis morava na minúscula Macclesfield e trabalhava em uma agência que ajudava pessoas inválidas a se recolocarem no mercado de trabalho. Ian era atencioso e prestativo com todos, mas definitivamente o banner com a mensagem “Vamos apontar você para a direção certa e o ajudar a encontrar o emprego certo” (a imagem aparece em um das cenas do filme Control) jamais coube no universo do futuro músico.
Mick Jones, do Clash, também não tinha o melhor dos empregos. Sua função no escritório da Previdência Social, em Londres, era abrir as cartas. Mas não era uma carta comum. Eram aquelas que podiam ter dentro uma bomba enviada pelo Exército Republicano Irlandês, o IRA. Mick dizia que a maioria das cartas vinha de pessoas que denunciavam os vizinhos, alegando que não precisavam de ajuda do governo.
Quando Mick finalmente pôde trocar o emprego pelo The Clash, escreveu uma música desabafo, que, a meu ver, é uma das melhores representações de como a vida operária inglesa podia ser torturante. Em “Career Opportunities”, canção que aparece em Sandinista!, quarto álbum da banda, Mick brava “I hate the army an’ I hate the R.A.F. I don’t wanna go fighting in the tropical heat I hate the civil service rules I won’t open letter bombs for you.”
E não que fazer shows, gravar discos já fosse encher os bolsos. Muitos tinham que investir na carreira musical e continuar nos seus empregos. O mestre David Bowie chegou a ser demitido da agência de publicidade em que trabalhava porque vivia dormindo pelos cantos por conta dos shows que começavam a engrenar.
Engana-se quem acha que o Duran Duran já nasceu no glamour. A banda tinha dupla jornada no Rum Runner, famoso clube em Birmingham, terra natal da maioria deles. Eles tocavam na casa, e em dias em que não havia show, John Taylor e Simon Le Bon cuidavam da portaria (acho que eu nem entrava), Roger Taylor atendia no bar, Andy Taylor ficava na cozinha e Nick Rhodes era o DJ. Apesar da função de Nick ser a mais interessante, ele tinha uma terceira tarefa – trabalhar na loja de brinquedos da mãe nos finais de semana.
Tanto esses artistas que mencionei, como tantos outros da época, ganhavam cerca de 20 libras por semana, o que dá uns 90 reais. Mal dava para as pints e o cigarro. Lembro-me de uma frase muito engraçada que li no livro “Disparos do Front da Cultura Pop”, do jornalista inglês Tony Parsons (aliás, recomendo a leitura dos artigos dele). Tony dizia “Da última vez que falei com os Ramones eles estavam duros. Tommy diz que sua situação financeira melhorou um pouco ultimamente. – Naquela época eu não tinha um puto, resmunga ele. Agora eu tenho um puto.”
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