Trocando em Miúdos: Com estilo próprio e poesia, Jair Naves se confirma como um dos artistas mais singulares da cena alternativa do Brasil.
Um contador de histórias, um homem tímido e de fala envergonhada que consegue através da música se expor de forma brutal e delicada. Esse é Jair Naves, um dos artistas mais interessantes da música alternativa brasileira na última década. Líder do Ludovic, banda das mais cultuadas do cenário do rock alternativo nos anos 2000, Jair lançou em 2010 seu primeiro trabalho solo, o EP Araguari. Longe do peso e raiva dos trabalhos do Ludovic, ele apresentava no disco de quatro faixas um som acústico, bonito e sutil para acompanhar as histórias contadas em sua voz grossa. O tom foi aprimorado no seu primeiro disco completo, E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando a Sua Fuga, Cavando o Chão Com as Próprias Unhas (2012). Naves explodia sinceridade, humildade e poesia, sem perder a vocação para as letras cruas e diretas que tanto fazia no Ludovic.
No início deste ano, Jair Naves deu mais um passo para consolidar sua obra solo, com o disco que é – para mim – um dos melhores de 2015 até o momento. Trovões a Me Atingir chegou ao público produzido de forma independente, financiado através de crowdfunding pelos fãs do artista, e trouxe Jair experimentando novos arranjos e estilos musicais. O disco capricha muito mais no instrumental, com diversas linhas diferentes que acompanham o vocal do cantor, presente nas músicas durante quase o tempo todo. Naves se expressa pelas suas letras, traz olhares introspectivos sobre o amor, a religião e seus demônios.
O disco conta também com ótimas participações, como a de Barbara Eugênia dividindo os vocais da canção “B.”, uma das mais belas do álbum. Ao lado de músicas como “Prece Atendida” e “Deixe/Force” formam um disco mais leve do que estamos acostumados a ouvir de Jair Naves, mas ainda com frases de beleza e sinceridade tão grande que te atingem direto no peito. Como canta em um trecho, “deixe o medo morrer, deixe o sangue ferver, deixe o mundo aceitar você”. Sem medo de expor as feridas, Jair conta suas histórias para que o mundo o aceite, assim, direto e sincero.
“Ele se entregava, mesmo para uma audiência minúscula. Foi um desses momentos em que sentimos a música nos tocar, e lá percebi como funciona a arte de Jair Naves.”
Não é um tipo de música fácil de ser digerida e nem do tipo que serve para ouvir sem prestar atenção. Aqui a composição é densa, pede por imersão e por empatia. Lembro-me da primeira vez em que assisti a um show de Jair Naves, no começo de 2014, em um espaço dentro de uma universidade onde pouco mais de dez pessoas se espremiam para assisti-lo. Ele chegou armado somente do seu violão e da sua imagem de Santa Cecília – que se explica na letra da canção “Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu” – e, com seu jeito introspectivo, encheu a sala de poesia. Marcou na minha memória como Jair fechava os olhos e gritava, muitas vezes sem nem precisar do microfone, como quem jogava para fora do corpo demônios presos entre os ossos. Ele se entregava, mesmo para uma audiência minúscula. Foi um desses momentos em que sentimos a música nos tocar, e lá percebi como funciona a arte de Naves. É um grito abafado, algo que sai dele naturalmente e toca cada pessoa de uma forma. Arte em sua forma mais pessoal.