Acredito que todos aqueles que, como eu, decidiram se deslocar até o Memorial da América Latina na tarde do último dia 15, debaixo do sol inclemente e abrasivo da capital paulista, tinham certeza que estavam prestes a testemunhar um momento único. PJ Harvey não vinha ao Brasil há mais de 10 anos, e assim que foi divulgado o line-up do festival, começou uma espera interminável.
O show começou relativamente pontual, apenas com atraso discreto de 10 ou 15 minutos, o que pode até ser desconsiderado, se levarmos em conta a abundância de instrumentos presentes no palco. Os dois últimos álbuns da cantora, Let England Shake e The Hope Six Demolition, [highlight color=”yellow”]são ricos em multiplicidade de instrumentos[/highlight], o que inevitavelmente nos faz questionar qual é tipo de apresentação ao vivo e quais são as soluções pensadas pelo artista na hora de performar algo gravado com tanto apuro e cuidado.
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PJ Harvey e os músicos de sua banda (ou deveríamos chamar de sua pequena orquestra, já que no total são nove músicos que acompanham a cantora, incluindo seu irmão Mick Harvey) entram no palco, todos de preto, em fila, tocando como se fossem uma banda marcial. À minha volta, a maioria dos fãs não conseguiu segurar a emoção, muitos choravam convulsivamente. A cantora abriu o show com a canção “Chain of Keys”, do último disco, lançado ano passado. Na verdade, as canções dos últimos dois álbuns dominaram o set list.
Vivemos há muito tempo uma realidade em que, na maioria esmagadora dos concertos ao vivo, impera uma dose de pirotecnia, onde imagens são projetadas em telões cada vez maiores, com uso cada vez mais excessivo da tecnologia. O show de PJ Harvey foi na contramão. Com uma decoração austera, que consistia basicamente na capa do último disco pintada em um enorme tecido preto, que combinava com a roupa da cantora e de seus músicos, não havia nada mais nada ali além de música. Aliás, se fosse possível resumir o show em poucas palavras, [highlight color=”yellow”]foi uma noite de culto à música[/highlight].
A impressão que se tem é que PJ nunca abriu a boca e cantou uma nota desafinada, tamanha a precisão de seus vocais, que também em momento algum são abafados pela pluralidade de instrumentos sendo tocada simultaneamente. Tudo soa quase que exatamente com no álbum, a ponto de ser assustador a competência coletiva em recriar ao vivo algo que sabemos ser fruto de intenso trabalho de múltiplas sessões de gravação.
Com uma decoração austera, que consistia basicamente na capa do último disco pintada em um enorme tecido preto, que combinava com a roupa da cantora e de seus músicos, não havia nada mais nada ali além de música.
PJ Harvey é um fenômeno ao vivo. A expressão sutil e o gesticular delicado da cantora apenas acrescentaram dramaticidade às letras das canções recentes, tão marcadas pelo viés político e social. Para além disso, vê-la cantar com tamanha desenvoltura é também um lembrete de que [highlight color=”yellow”]se trata de uma das maiores cantoras de sua geração[/highlight], uma multi-instrumentista completa, uma compositora talentosa e focada, uma mulher absolutamente brilhante.
Como não poderia deixar de ser, também estiveram presentes no show músicas antigas que marcaram a carreira da cantora, como “White Chalk”, “To Bring you my love” e “Down by the water”, para citar apenas algumas. O único problema do show foi sua curta duração, breve demais para uma artista cuja carreira já dura quase 3 décadas. Pouco mais de uma hora não passou nem perto de ser suficiente, e acredito que falo pela maioria quando digo que apenas ficamos com o famoso gostinho de quero mais. Quanto a isso, apenas nos resta torcer que a cantora volte a incluir o Brasil em sua rota de turnês e nos brinde com mais apresentações igualmente brilhantes como essa no futuro.