Lady Gaga é capaz de incomodar independente de seu movimento. Cada passo dado pela cantora e atriz tem alto potencial de se tornar uma polêmica. A lista é imensa. Gaga incomoda com seus looks; Gaga incomoda com suas músicas provocativas; Gaga incomoda por sua excentricidade; Gaga incomoda por seu talento; Gaga incomoda por ser mulher.
A música não parecia ser o suficiente para comportar sua veia artística, tanto é que virou a grande aposta de Ryan Murphy na quinta temporada de American Horror Story. Bingo, Lady Gaga ganhou um Globo de Ouro por sua atuação. E isso também incomodou.
O lançamento de Joanne, seu quinto álbum de estúdio, era ansiosamente aguardado. Crítica e público ficaram à espera do que Gaga traria de inovação musical e estética. Qual não foi o espanto quando a cantora fugiu à regra e apresentou um disco em que não chega nem perto de tangenciar o que Lady Gaga já havia feito desde The Fame. Contudo, contrariando parte da crítica especializada, acredito que seja justamente aí que reside a chave de um disco que, se não preza pela inovação, cumpre as vezes de mostrar que a cantora pode ser o que ela quiser, e ela segue não aceitando menos que o seu melhor – o topo é consequência.
Disco cumpre as vezes de mostrar que a cantora pode ser o que ela quiser, e ela segue não aceitando menos que o seu melhor – o topo é consequência.
Em alguma medida, é justamente esse o recado de Joanne. E Gaga mandou a mensagem confundindo parte do público e da imprensa com o primeiro single do disco, a dançante “Perfect Illusion”.
Mas o mundo estremeceu no dia 21 de outubro. Ficamos tão acostumados ao fato de que Lady Gaga havia se esforçado continuamente para reposicionar a música pop como grande arte, que um disco mais normativo causa estranheza. Para o bem e para o mal, Lady Gaga inaugurou uma safra de artistas que passaram a enxergar na música infinitas possibilidades, emergindo uma fase transcendental da música pop. Passamos, então, a não acreditar em limites artísticos e estéticos, e por essa transgressão Lady Gaga será sempre lembrada.
Joanne é uma busca por ser autêntica ao fugir do que dela se esperava. O disco, batizado em homenagem à tia paterna, que morreu aos 19 anos após contrair lúpus – e também o segundo nome da cantora –, possui um caráter muito mais intimista, mais familiar, no qual Lady Gaga mergulha em ritmos mais incrustados na essência norte-americana como o country e o folk.
Lady Gaga traz um punhado de temas que lhe são muito caros, em especial a questão do amor próprio como em “Dancin’ in Circles”, uma composição em parceria com Beck. “Diamond Heart” ganha peso com a guitarra de Josh Homme, do Queens of the Stone Age, e “Hey Girl” tem o vocal dividido com Florence Welch, do Florence and the Machine. Em “Angel Down”, Gaga faz uma ode ao movimento “Black Lives Matter” a partir da história do assassinato de Trayvon Martin. O disco ainda inclui um pouco de soft rock e dance-pop em “A-YO”, uma das melhores canções de Joanne.
Contrapor sua essência psicodélica e transgressora com uma fase série e madura, e que evidencia sua direção em ser uma cantora e compositora, não é algo desnecessário em sua carreira, pelo contrário. Joanne fica marcado como um disco em que Gaga também quer experimentar mais, porque ela pode e porque sente que sua carreira precisa desses respiros – um movimento iniciado no álbum de jazz com Tony Bennett. Cabe mais a nós o papel de aceitar essa guinada. Inevitavelmente, Gaga trará algo disso para nós em um futuro próximo, e Joanne certamente será reencontrado no futuro, quando precisarmos fazer uma releitura de sua obra.